Também se escreviam e-mails, mas ainda se escreviam cartas. Escreveu-me, nessa altura, com a mesma coerência com que hoje me fala, com a qual ainda hoje o oiço, e a qual hoje procuro na minha maturidade conquistada e exigida também por mim - naquela carta e naquele tempo era, a coerência, apenas uma exigência coerentemente proposta por ele para que eu me fizesse homem e não mais menino.

A coerência é a presença da essência num estado constante da existência do ser. Podemos tê-la positivamente - tragada de energia positiva, contagiante e inegável - ou negativamente - afogada em promiscuidade, obscuridade e alienação. Propunha-me, aquela carta, naquela altura - o que espero que hoje ele reconheça em mim - que eu me fizesse homem e que aprendesse a amar.

É preciso ser Homem com "H" grande para 1) escrever uma carta; e 2) escrever uma carta para o irmão mais novo a dizer-lhe que ele precisa ser um Homem que ama. É ainda mais extraordinário, 10 anos depois, reler uma carta, e pensar, com as lágrimas de quem não se lembra mas, relembra que, nem sempre foi Homem e que, não mais voltará a ser um menino.

A vida é coerente mesmo que não a reconheçamos como o teatro aonde Deus nos dá a oportunidade de sermos Homens (e Mulheres). A coerência não é sermos sempre iguais. Coerência é sermos sempre Homens, sermos sempre Mulheres, coerência é amarmos sempre. Quando amar parece pecado até os pecadores deixam de amar como lhes é exigido.

Mais difícil do que amar é não amar. Quem quererá ser coerentemente triste? Coerentemente impuro? Coerentemente infeliz? A coerência quer-se caridade, coerentemente feliz. A felicidade é a coerência da bondade, do amar com vontade, do sorrir e fazer sorrir. O sorriso torna linda a estátua que nunca sorriu, que nunca no espelho se reviu como Deus a fez.

A quem a coerência não foi apresentada à nascença mais difícil é vê-la positiva. A coerência negativa não é coerência, é atraso de vida(s). Coerentemente vidas são atrasadas, postas em stand-by, sem que se escrevam cartas, sem a lembrança de um tempo em que epístolas se escreviam para a eternidade na fragilidade exposta sobre folhas de papel que sobrevivem e respiram na tinta as palavras de Homens e Mulheres coerentes.

Fazem falta epístolas escritas mesmo da alma. Fazem falta almas que escrevam epístolas e que das suas almas jorrem palavras sobre amor, sempre. É mesmo da alma...