Por isso, foi com alguma emoção que me senti a recuar aos anos 74 e 75, na Luanda que vivia período de efervescência, de mudança, de história! Em 1975, era eu um jovem, chegado da minha Benguela à "cidade grande", há poucos anos, para iniciar os estudos universitários.

Tinha no ano anterior me engajado fortemente na luta político-partidária, dirigindo o comité de estudantes do MPLA na Universidade e trabalhando também na "Dona Amália" (Rangel) e depois na Vila Alice, com o saudoso Mendes de Carvalho e o sempre presente Beto Van-Dúnem.

Desse tempo, lembro-me do Malaquias Manuel Pedro, do Bartolomeu, do Samuel, do Sardinha, do Romão que, nas outras áreas da sociedade (operários, função pública, etc.), dirigiam igualmente as respectivas estruturas partidárias.

Participámos pois activamente, nessa época, num processo político-militar complexo, de luta ideológica intensa e, sobretudo, nós, os jovens, ao lado do "homem novo que veio da mata", alimentávamos sonhos e esperanças profundas, na construção de um País novo, de justiça social, que garantisse aos angolanos a concretização dos ideais pelos quais lutaram e tombaram homens, mulheres, jovens e velhos, no processo de luta de libertação nacional, no "maqui", nas cadeias, na clandestinidade.

Por isso, alegria e emoção intensas quando, na noite de 11 de Novembro de 1975, depois de "picharmos" com mais algumas palavras de ordem, as paredes de vários edifícios na marginal, na zona das faculdades, partimos a pé para ao Largo 1º de Maio, onde assistimos à proclamação da independência.

Não posso deixar de enaltecer o papel do Dr. Agostinho Neto em todo o processo de luta e de proclamação da independência e da afirmação da angolanidade. E hoje, recordo, com orgulho, mas com alguma "melancolia" também, que foram os jovens, sobretudo os jovens, nas unidades militares e centros de instrução, nas comissões de bairro, nas escolas, nas estruturas políticas, nas frentes de combate militar, nas universidades, nas fábricas, foram sim os jovens que, com a sua irreverência, os seus sonhos e a sua prática consequente, "levaram o MPLA ao colo" e que, de certa forma, "colocaram" o MPLA no poder!

Seguiram-se depois anos e processos difíceis, com as agressões externas, com a guerra civil, com a destruição de infra-estruturas fruto da guerra, com a falta e limitação de quadros e competências, com dificuldades económico-financeiras, com as repercussões do País "dividido", com os reflexos no País da guerra-fria, com processos político-ideológicos internos do MPLA complexos e às vezes fracturantes, enfim, foi um período difícil, intenso e de sacrifícios para quase todos, mas que nos fortaleceu, nos deu alicerces, nos uniu!

Mas é justo e necessário, neste olhar sobre estes últimos quarenta anos, não deixarmos de reconhecer os nossos ganhos, os sacrifícios de muitos, os avanços em vários sectores, tudo o que foi feito, quer no quadro do Partido único, na fase de transição e no período de multipartidarismo. Desde logo, a manutenção da soberania e integridade territorial, num contexto nacional e internacional muitas vezes adverso. Lembremo-nos do que aconteceu na Europa e continua acontecendo em África.

De igual forma, todos os esforços feitos para terminar com a guerra entre irmãos, para obter a paz e a reconciliação. A assunção, objectiva, de que se tratava de uma guerra entre angolanos, foi fundamental para se reverter o processo de resolução do conflito.

Em todo este processo, bem como na afirmação internacional de Angola e na definição de estratégias e politicas de desenvolvimento, tem que destacar-se o papel do Sr. Presidente José Eduardo dos Santos, que não só colocou em prática princípios de conciliação, como promoveu vias de abertura da vida política e económica e soube congregar e potenciar diferentes sensibilidades, dentro e fora do MPLA, na perspectiva de criação de um País moderno, bom para todos os angolanos.

Temos que nos orgulhar também das iniciativas e acções para a formação massiva de quadros, para a construção de infra-estruturas, pela evolução e organização das Forças armadas e da Polícia e para a criação de um sector empresarial público que respondesse às necessidades da economia.

Nesta data, quero ressaltar uma área, que quase nunca entra nestas contas e nestes balanços. Músicos, compositores, intérpretes, escritores, poetas e poetisas, pintores, desenhadores, escultores, dançarinos, jornalistas, humoristas, actores e actrizes de teatro e televisão, que emergiram nestes quarenta anos, são fruto da independência, e que muitas vezes sem apoios, independentemente de poderes e de ideologias, são orgulho dos angolanos e a prova da criatividade e competência que o nosso País gerou!

Nesta reflexão sobre o aniversário da nossa independência, tenho-me referido amiúde a …. pessoas! E é aqui onde penso que ainda temos limitações e constrangimentos! Criámos algumas pessoas muito ricas, mas ainda temos muitas e muitas pessoas pobres! Construímos muitas escolas e universidades, temos milhares e milhares de crianças, jovens e adultos a estudar, mas não temos um bom sistema de educação e ensino!

Construímos centenas de postos médicos e de hospitais, mas ainda temos muitas e graves carências nos serviços de saúde e na competência e dedicação de muitos dos respectivos profissionais. Temos muitos políticos, chefes e responsáveis, mas poucos líderes, bons políticos, ou eficientes servidores públicos.

Ouvimos bons discursos, produzimos muitas leis, contratamos muitos consultores, organizamos muitos seminários, conferências, fóruns, workshops e mesas redondas, mas não aplicamos, não queremos ou sabemos aplicar, ou não temos pessoas para aplicar o que se promete e se legisla. Fizemos imensos progressos na reconciliação nacional, mas ainda temos práticas de exclusão e nem sempre vivemos e convivemos bem com a diferença e aceitamos a divergência.

Temos organizado com êxito eleições regulares, mas muitos de nós ainda não compreenderam que um País democrático não se esgota na realização periódica de eleições. Custou-nos tanto a conquistar a independência e a salvaguardar a soberania e dignidade, mas ainda temos angolanos que com arrogância, sobranceria, prepotência, fausto, ostentação e falso orgulho, envergonham a nossa nacionalidade, desprestigiam a imagem do nosso Pais e colocam em causa a humildade, competência, ética e valores morais da esmagadora maioria dos angolanos.

Temos políticas traçadas para acabar com as assimetrias territoriais, para desenvolver o interior do País, para apoiar a agricultura, pecuária e pescas, mas temos no interior empresários desmotivados, endividados, credores do Estado, sem apoios da banca e sem perspectiva para os seus negócios.

Dizemos que somos uma "grande família", mas conheço famílias na Huíla, no Uíge, no Huambo, em Benguela, em Cabinda, etc., que também lutaram, também querem participar, mas na distribuição do "bolo", são "muito menos família" que uma ou outra!

Temos muitos funcionários públicos, mas temos uma função pública burocratizada, lenta, algumas vezes ineficiente e vulnerável à corrupção. Formámos muitos juristas, temos muitos advogados, juízes, procuradores, funcionários judiciais, mas ainda temos um sistema de justiça (felizmente em processo de reforma) com muitos e muitos problemas, com vários exemplos que poderão pressagiar a não separação de poderes e com a necessidade imperiosa de conseguirmos o respeito intransigente pela lei e que esta não seja subjectivamente interpretada e aplicada.

Fazemos muitos e volumosos investimentos (muitos deles necessários e importantes, note-se), mas nem sempre temos sido coerentes, persistentes e consistentes, no apoio fundamental às micro, pequenas e médias empresas, elas sim absolutamente fundamentais na criação de emprego, no combate à pobreza e na diversificação da economia.

Lembro-me e recordo, com nostalgia, mas também com um grande sentido de actualidade, que os Programas mínimo e maior do nosso MPLA sempre valorizaram valores com a dignidade humana, a honestidade, a igualdade, o combate ao preconceito, o desenvolvimento harmonioso do País, a luta pela valorização do Homem e do Angolano e outros valores éticos e deontológicos.

Valores e princípios sempre actuais, sobretudo quando, neste nosso percurso, de crescimento, mas também sinuoso, fomos "tropeçando" com a proliferação de alguns hábitos e comportamentos expressos na intriga política, na desonestidade, no enriquecimento ilícito, na bajulação política, na traição, no silêncio cobarde, na "lumpenagem" artística, política e empresarial. O petróleo e os diamantes são importantes? São! Dão "jeito"? Dão!

Mas não podemos subverter a ordem natural do crescimento e desenvolvimento dos Países e não deixar de colocar a riqueza ao serviço de TODOS. E, como sabemos, Países sem petróleo e sem diamantes e mesmo tendo também saído de guerras devastadoras, encontraram outras formas de desenvolvimento, têm elevados índices de desenvolvimento humano, têm povos prósperos e felizes! Colocaram o foco …. no Homem, no conhecimento! Nós, temos muito cimento… mas pouco conhecimento!

Orgulhemo-nos sim de muitas realizações e ganhos nesses últimos quarenta anos! Não nos podemos também esquecer que Angola se encontra numa fase de mudança geracional! Mas na comemoração do 40º aniversário da nossa independência, deixo um voto, uma vontade, um desejo! Que a partir de 12 de Novembro de 2015, passemos a investir muito mais no HOMEM, no CONHECIMENTO, na FORMAÇÃO, na CULTURA e na DIMENSÃO HUMANA das DECISÕES, das LEIS e dos PROJECTOS! Para que, daqui a mais 40 anos, quando muitos de nós já cá não estarão, os nossos filhos e netos, possam SER MAIS FELIZES!