Com a capacidade para albergar 80 pessoas sentadas, uma das salas do Tribunal Provincial (TPL) não teve capacidade para receber as centenas de pessoas que ali acorreram para assistir ao julgamento dos 17 cidadãos acusados pelo crime de actos preparatórios de rebelião contra o Presidente da República e outros órgãos de soberania nacional.

O Julgamento, que iniciou segunda-feira, 16, está a ser realizado à porta fechada e sob forte medidas de segurança. Desde o primeiro dia, só foram permitidas as entradas no interior do tribunal a dois membros de cada família dos réus.

A medida foi contestada pelos presentes na sala de audiência. A comunidade internacional e várias organizações de defesa dos direitos humanos têm apelado à libertação dos 15 jovens que se encontram em prisão preventiva, com o Governo angolano a rejeitar o que diz ser “pressão” e “ingerência” estrangeira nos assuntos internos”. Amigos parentes, sociedade civil (…) e políticos, esperam um julgamento transparente de acordo com a Lei.

“Com este julgamento, vamos provar que o Executivo angolano não controla nem interfere nos órgãos de justiça”, disse ao Novo Jornal, um diplomata que não quis identificar-se. Muitos analistas acreditam que a sentença dos 15+2 será lida depois da divulgação do relatório anual norte-americano sobre violação dos direitos humanos. São três os escritórios de advogados que constituem a defesa, mas nenhum teve acesso ao processo até ao dia 16 de Novembro.

“Disseram que o processo esteve à disposição dos advogados, mas é tudo mentira. O processo nunca esteve à nossa disposição. Chegou-nos apenas no primeiro dia de julgamento”, afirmou David Mendes.

O general António José Maria, chefe dos Serviços de Inteligência e Segurança Militar (SISM) é o único alto dirigente a quem o juiz Januário José Domingos, incluiu no seu despacho de 15 de Outubro, como vítima dos presos políticos.

Para a percepção comum, o general terá sido vítima de um assalto, no qual roubaram uma correspondência que ele dirigiu ao Chefe de Estado. Na pronúncia, o juiz Januário José Domingos aludiu ao facto do referido documento ter sido encontrado em posse do preso político, Osvaldo Caholo, que é sargento da Força Aérea Nacional (FAN).

Caholo foi o último a ser detido pelas forças de segurança, na centralidade de Cacuaco. Segundo o despacho de pronúncia, o réu Osvaldo Sérgio Correia Caholo apropriou-se, em circunstâncias de tempo, modo e lugar até aqui não revelados, um documento militar e de carácter confidencial, que o Serviço de Inteligência Militar, através do general António José Maria, enviara ao Presidente da República, na qualidade de comandante-em-chefe das FAA.

O referido documento foi apreendido pelos serviços de investigação criminal no domicílio do próprio réu”, pode ler-se na pronúncia do juiz Januário José. Desde o primeiro dia do julgamento, a defesa alega haver várias irregularidades no processo.

O mais caricato neste julgamento sucedeu quando o Ministério Público, na sua acusação, apresentou uma lista de um governo de salvação nacional que tinha como Presidente da República, José Julino Kalupeteka.

O causídico começou por dizer que a suposta lista de um governo alternativo, usada pela acusação para justificar o crime de golpe de Estado, não pertence aos acusados. O espancamento de activistas que estão a ser julgados no Tribunal Provincial de Luanda e a interdição de diplomatas estrangeiros mereceram repúdio por parte da sociedade.

O porta-voz dos Serviços Prisionais, Menezes Kassoma negou a denúncia apresentada pelos advogados de defesa dos 17 activistas. “O que se deu é que no princípio da manhã, o recluso Mbanza Hanza, tentou trazer uma parte do colchão da prisão para esta instituição que é o Tribunal e, felizmente, foi impedido.

Em função desta situação, negava-se a descer da viatura para entrar para a cela e foi persuadido a entrar”, justificou Menezes Kassoma. Segundo Menezes Kassoma, os ferimentos que o activista Mbanza Hanza apresentou em tribunal, estão relacionados com os esforços que foi fazendo, quando se encontrava algemado.

“Os ferimentos não são resultados de agressão, são resultado dos esforços que o réu fazia com as algemas. Sabemos que as algemas são metálicas e na medida em que alguém estiver algemado e esforçar, elas apertam ainda mais. Razão pela qual apareceu com ferimentos ligeiros”, justificou.

Contestação da defesa O colectivo dos advogados contestou afirmando que “ os actos preparatórios, de acordo com o art. 14.º do Código Penal são “os actos externos conducentes a facilitar ou preparar a execução do crime, que não constituem ainda começo de execução”. “Quando os arguidos foram detidos não podiam ser objecto de qualquer punição, pois, “cogitationes poenam nemo patitur”, na expressão de Ulpiano, ou seja, “o simples pensamento criminoso enquanto não traduzido numa concreta actuação, não pode ser objecto de qualquer punição”, diz a defesa.

Defendem que os arguidos foram detidos em pleno exercício dos seus direitos de reunião, de expressão e de informação. De acordo com advogados fazer pesquisas, promover debates e discussões sobre temas abordados num manual ou brochura constitui um exercício da Liberdade de Expressão e de Informação. “Os arguidos são na generalidade acusados da prática de um crime de Actos Preparatórios. Houve, pois, com a invasão perpetrada pelos agentes do Serviço de Investigação Criminal à residência da Vila Alice, violação gratuita, ostensiva, flagrante e prepotente à Constituição da República de Angola”, denunciam.

Os advogados consideram que “o não respeito pelo princípio da inviolabilidade da correspondência e das comunicações por órgãos ou agentes do Estado pode levar à responsabilização do Estado, nos termos previstos no art. 75.º da Constituição”.

“Deste modo, a Constituição apenas permite que haja violação da correspondência e das comunicações mediante autorização judicial, a ser emitida por magistrado judicial”, esclarecem.

Os advogados lamentam que “durante a fase de instrução preparatória do presente processo, não tenha participado qualquer magistrado judicial, pelo que tudo o que foi feito, filmado ou gravado, sem autorização do magistrado judicial competente configura inconstitucionalidades”.