O livro “Papéis da Prisão”, de Luandino Vieira, apresentado na passada 3ª feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, a que se seguirá o lançamento entre nós, em data que desejamos próxima, na União dos Escritores Angolanos, lugar já escolhido pelo seu co-fundador e vários anos seu secretário-geral, representa um passo importante na manutenção, diríamos mesmo, na recuperação de uma memória que, mais do que individual, assenta as suas raízes no mais profundo da identidade angolana.

Por razões que devem ser debatidas de uma forma muito mais abrangente e plural do que num mero editorial, há anos que vimos assistindo a mais do que uma indolência, um desinteresse acentuado no que diz respeito à História de Angola, pela via do silêncio, da omissão.

Felizmente que, em meio a esse aparente encolher de ombros, em particular no que diz respeito aos últimos 60/70 anos (premeditado ou não, é também importante entender), várias pessoas e instituições vêm investigando, estudando, filmando, escrevendo ou contando.

Remando contra a maré e muito a contra-gosto dos paladinos de um amanhã que, para subsistir, não precisa de memória nem de fundamentar-se em qualquer passado, preferindo muitas das vezes rasgá-lo, queimá- lo ou escondê-lo, surgem, aqui e acolá, pojectos tornados realidade, frutos de um trabalho sério, aturado, paciente, mas acima de tudo honesto e patriótico.

Porque resultado de um trabalho quase artesanal, que não dá lucros imediatos, que não supõe prémios nem benesses. Porque assente em percursos reais, verdadeiros, muitos deles, felizmente, ainda de viva voz, não deixando que a voracidade do tempo destrua um dos pilares sobre o qual deve assentar a construção e a consolidação da uma Nação: saber a fundo todo o longo e doloroso percurso que se teve de percorrer; construir, pedaço a pedaço, e juntar, peça a peça, os vários ramos que contribuíram para a construção de um tronco comum; conhecer cada um dos cabocos, que estiveram na origem de um conjunto de acções, que acabaram por conduzir Angola à sua Independência, a 11 de Novembro de 1975.

Num acto de grande lucidez, coragem e responsabilidade ( qualidades cada vez mais raras nos tempos que correm) a publicação destes “Papéis da Prisão”, do autor de “Luuanda”, do criador de “Nós, os do Makulusu”, do contista brilhante da “Vida Verdadeira de Domingos Xavier”, José Vieira Mateus da Graça, há muitos anos conhecido como Luandino Vieira, é mais um contributo, fundamental, para um mais sério conhecimento da realidade angolana e de toda a sua evolução, nomeadamente a partir do final dos anos 30 do século XX.

Fase essencial para que a História de Angola, a nossa História, não se perca em divagações imprecisas, em invenções ou reinvenções recorrentes, obedecendo a um princípio básico: o respeito para com a verdade, sem deturpações nem mistificações.

Luandino Vieira, na apresentação dos “Papéis da Prisão - Apontamentos, Diário, Correspondência 1962- 1971, um trabalho que desenvolveu acompanhado de uma equipa brilhante de estudiosos e gente solidária com as causas de Angola, cuidou de afirmar que o livro não era “seu”.

Que, sendo sua a voz, ou, no caso, a sua escrita, ela diz respeito a centenas de cidadãos, a maior parte deles, anónimos que, recorrendo às mais diversas formas de luta - mesmo que algumas não tenham sido muito “ortodoxas” - tinham todos em comum o projecto da conquista da plena soberania e do direito a sermos livres e independentes.

40 anos depois, é de inteira justiça agradecer a figuras como Luandino Vieira e seus companheiros de prisão o seu papel crucial num momento raro e único da nossa História. Para ajudar a harmonizar, a construção do nosso futuro, assente na verdade histórica e nos fundamentos de uma luta colectiva, porém assente em muitos percursos individuais. Que se entregaram de corpo inteiro, à causa maior da Independência, íntegros e livres, corajosos e decididos. Obrigado, Luandino Vieira.