O MPLA vive uma situação de grande desgaste motivado mais pelos resultados, vícios e a sua praxis do que pelo teor das suas políticas. Nas diferentes manifestações públicas, os cidadãos dizem querer um Governo intelectualmente mais honesto, que assuma os seus erros, que prometa e cumpra, que se comprometa e tenha uma actuação condizente, que trabalhe e dê mais oportunidades a todos, e tenha novas caras e um novo estilo de governação.

Ao longo dos anos, a acção psicológica tem estado no centro da prática governativa, numa espécie de gestão para a televisão em contraposição com outra para a resolução de problemas dos cidadãos.

Têm crescido comportamentos como a mania da perseguição, (recorrente criação de inimigos); a mania das grandezas (a psicose das maiores obras em África) e ainda com acções propagandísticas e demagógicas (uso dos órgãos público como canais eleitoralistas).

Ao invés de ouvir, dialogar e governar os cidadãos, as autoridades angolanas estão preocupadas em ficar bem na fotografia e têm a tendência de atribuir responsabilidades a terceiros.

Procuram descobrir inimigos, imaginários ou não, contra os quais procuram mobilizar a sociedade. Cada vez que se adivinha um movimento de contestação ou se verifica uma reacção negativa a uma medida governativa, entra em cena a acção psicológica dos órgãos públicos para acusar alguém de ingerência ou de agitação; para desmentirem factos que não noticiaram; contarem histórias sem ouvir todas as partes ou se fazerem rodear de comentaristas previamente instrumentalizados.

Numa boa parte da sociedade abriu-se um largo descontentamento por causa da falta de diálogo e de atendimento de necessidades primárias como água, luz, saneamento básico e direitos fundamentais.

Os cidadãos querem uma governação competente, soluções concretas, menos promessas e, muito menos ainda, a cobardia da responsabilização de terceiros pelas nossas incapacidades.

O Governo teima em inventar factos jornalísticos ou pseudo-jornalísticos com o objectivo de criar solidariedade à sua volta e de construir uma espécie de consciência nacional de vítimas.

Fazem-nos crer que estamos sendo atacados por inimigos, decorrendo daí a necessidade de nos esquecermos do que vemos, sentimos, criticamos ou nos queixamos para cerrar fileiras "patrióticas" contra os inimigos.

Vem de longe a estratégia de vitimização contra um qualquer "ismo" e na qual despontam nomes como os inimigos da paz, os sabotadores, os especuladores, os inimigos do desenvolvimento económico; as forças ocultas, a imprensa portuguesa, os críticos internos, os fraccionistas, revolta activa, Ronald Reagan, Portugal, França, Jonas Savimbi, ONGs, George Soros, família Soares, Ana Gomes e, mais recentemente, a União Europeia.

Se os especialistas da acção psicológica do Governo estudassem as consequências dessas infindáveis campanhas constatariam que, apesar de toda a "diabolização, na maior parte das vezes, regista-se um efeito "boomerang" e o tempo, os erros e vícios do Governo se encarregam de inocentar ou até de dar razão aos alegados inimigos.

Não está provado também que a criação desses inimigos (imaginários ou não) estimule o desenvolvimento de uma consciência nacional comum e acrescente valor algum ao sentimento patriótico.

Pelo contrário, a insistente "contaminação" do espaço público com recurso à demagogia e à manipulação da opinião pública, enfraquece a capacidade de aceitação do discurso oficial do Governo. A imputação de erros e dificuldades a terceiros, seja um adversário político, manifestantes, uma instituição ou outro país não mobiliza muitos adeptos.

Veja-se a saturação geral com o argumento da guerra para explicar a incompetência em certos sectores. Veja-se também o recurso a figuras de fora do círculo político como religiosos, estrangeiros e académicos para dizerem dentro desta lógica, o que já ninguém acredita se dito pelo Governo.

A ideia de que o descontentamento resulta de forças externas é, no mínimo, uma grande desconsideração pela paciência e compreensão havidos até agora, e pelo grito por uma melhor gestão pública que os angolanos dão.

A 15 meses de eleições persistir na lógica do bode expiatório traz a preocupante suspeita de que o Governo possa estar "refém" dos seus próprios jogos de manipulação, tal como o inventor de uma história que, de tanto a contar, perde a noção de que se tratou de uma imaginação e passa a assumi-la como realidade.

O país cor-de-rosa e de gentes sorridentes e sem reclamações em permanente festa é de todo uma imaginação mas de tanto ver as imagens e os aplausos dos analistas e dos comícios, o Governo assume-o como o real. O Governo está literalmente "embevecido" na imagem que criou do país, com os analistas que paga para o aplaudir e com os militantes que gritam vivas nos comícios. Não consegue mais distinguir entre o país real do imaginário nem imaginar que haja vida fora das câmaras de televisão.