Trata-se, usando linguagem popular, de um "jajão" do Governo, que opta por fazer grande alarde de uma redução de gastos que, na verdade, não se regista e de uma mudança de políticas que também não ocorre, porque é mantida, integralmente, a visão despesista dos titulares dos cargos políticos e a tendência de imputação da responsabilidade para os níveis inferiores.

Em termos políticos e de imagem, os governantes, curiosamente apoiados pela oposição, deixaram passar a ideia de que, ao retirar os DNs da lista de beneficiários de veículos de uso pessoal, o país estaria a efectuar uma grande redução de gastos, o que é, no mínimo, um malabarismo.

Tanto no número de carros dos DNs como na qualidade, os titulares de cargos políticos, a começar pelos cargos de soberania, são, de muito longe, quem mais gasta, não só em carros de luxo e top de gama de alta cilindrada que usam, mas também porque cada um deles tem uma minifrota privada com carros de substituição, de apoio a casa e para o pessoal ao seu serviço.

Acresce-se a isso ainda subsídios, senhas e benesses que lhes permitem não gastar dinheiro pessoal para o combustível, assistência técnica, seguro e taxa de circulação de todas essas viaturas.

Se tivesse havido uma intenção genuína de passar a agir com parcimónia, deveriam constar expressamente da lei os critérios para a compra de carros standard para cada categoria de titular, a proibição de aquisição de jipes, carros de luxo e um combate sério aos "lobbies" de vendedores de carros para o Estado.

Investigue-se quem vende ao Estado e quem compra pelo Estado e perceberemos facilmente que esta alteração não passa de um verdadeiro "jajão".

À excepção da correcção do facto de não se ter incluído inicialmente os administradores municipais e seus adjuntos, a ideia da redução dos custos no património público é unicamente um "jajão" já que deixa deliberadamente de fora a discussão sobre o parque imobiliário (edifícios urbanos e rurais) do Estado, que é a parte mais onerosa do problema e também menos transparente.

Veja-se o destino das chamadas "casas de função" ou das "casas de trânsito" ou ainda dos inúmeros edifícios rurais do Estado em que nascem de, um dia para outro, projectos privados. Apesar de todos saberem disso, é estrondosamente audível a forma como os titulares de cargos políticos, incluindo a oposição, se colocam todos de acordo uns com os outros sempre que se fala da manutenção ou aumento de benesses para eles.

Fazem reduções para os outros. A exclusão dos DNs da lista de beneficiários vem acentuar o sentimento de rebaixamento institucional e funcional dos DNs, depois do próprio Governo ter conseguido com sucesso empreender uma viragem no perfil técnico, académico e etário desses quadros de direcção. Ela ocorre num momento em que o poder de compra é baixíssimo e todas as antigas benesses (viagens, senhas de combustível, facilidades) deixaram de existir.

Tendo em conta que a remuneração não é atractiva, o salário não é pago em função do desempenho individual e a progressão na carreira tende a ser fortemente determinada pela antiguidade, os jovens licenciados acima da média, mestres e doutorados que são DNs, mesmo estando cumulativamente ligados a outras ocupações mais rentáveis (escritórios de advocacia, empresas de consultorias, ensino superior), mantêm-se nos cargos graças ao "salário invisível" como a atribuição de viaturas, as facilidades de compra de casa própria e as vantagens financeiras das viagens para o exterior.

Sem elas, a função pública voltará a ser, como há uma dezena de anos, ocupada por gente que não tem para onde ir nem tem ambição para lutar por melhor. Os quadros de alto gabarito que alguns ministérios possuem, sobretudo reforçados com novas competências de liderança, de gestão e de contactos "lobbistas", acabarão no sector empresarial público e privado, a começar, de resto, pelos ex-ministros que se socorrem desses quadros para os seus negócios particulares.

A mesquinha discussão sobre "quem pode ter o mesmo carro que eu", já que é apenas disso que se trata, pode sair muito cara ao Governo e promover uma sangria de fuga de quadros qualificados para salários e condições sociais mais atractivos, tão logo se comece a respirar melhor saúde financeira.