Por outro lado, os desafios do povo angolano não são novidade para quem vive e sobrevive diariamente no nosso país, pelo menos para aqueles que não vivem no mundo da lua e cujos degraus da vida são subidos sem "paitrocínios" e com bastantes complicações pelo meio.

Tivemos épocas de muito sofrimento devido ao conflito armado, à escassez de alimentos e de paz, à impossibilidade de circular em segurança por todo o país mesmo quando essa circulação fosse feita com a protecção de colunas militares ou com patas de coelho penduradas na parte frontal das viaturas. Para dar sorte. Ao coelho não deu sorte com certeza.

Aos poucos fomos ultrapassando as vicissitudes impostas pela transição do modelo económico e político. Festejamos pequenas vitórias com uma alegria extenuante própria de um povo com vontade de vencer, de um povo que estranhava a paz, pois esperou muito tempo por ela, de um povo humilde e trabalhador.

Nos anos mais recentes, tivemos pontos áureos por conta do famoso ouro negro que, apesar de alavancar grande parte da economia, deixou-nos dependentes dele e não resolveu um dos principais desafios da Angola em mudança: A capacidade de gerir os feitos conseguidos com a paz e com os recursos disponíveis.

A partir daí tem sido um efeito bola de neve que retrata a nossa incapacidade de gerir o sucesso, ou pelo menos de manter a cabeça fora de água no emaranhado de confusões que nos atropelam constantemente, ao invés de enterrar a cabeça na areia. As confusões e as complicações.

Essa tem sido a estratégia de resposta. Trocar a falta de capacidade pelo accionamento do "complicómetro".

No outro dia, um Soba de um município do interior confidenciou-me estar insatisfeito com os desígnios da democracia em Angola, pois os mais jovens "agora estão a complicar muito, não respeitam a autoridade tradicional".

Antigamente, a palavra do Soba era sinónimo de sapiência, respeito e autoridade, agora "tudo é votar e os jovens ganham sempre, ninguém dá importância à tradição". Esta frustração camuflada parece-me um sentimento frequente de muitos Angolanos.

As questões mais elementares e básicas da nossa sociedade tornam-se complicadas numa questão de minutos, exacerbadas pelo stress de cada um, resultando na perda de tempo, paciência e às vezes também da compostura.

Mas há também o oposto, há quem queira descomplicar o erro. Isto acontece quando alguém liga o "complicómetro", na perspectiva do perpetrador, seja ele o agente da autoridade que não quer "entender" a situação do condutor desencartado, o funcionário público que não pode "atender" pois, está frustrado, o professor que não quer "facilitar" a vida do aluno e transformar um 7 num 10, e até os pais que não querem "ajudar" financeiramente os seus filhos num negócio ilegal.

É um léxico interessante de palavras com duplo significado onde quem não conhece a nossa realidade fica completamente abananado. É complicado.

É certo que bastam uns dias de zunga pela cidade para rapidamente engordamos o vocabulário com "gasosas" que não são bebidas gaseificadas, que quando não há sistema o esquema impera, que a "micha" não é uma chave metálica mas abre muitas portas, que o "saldo" não é a diferença entre o crédito e o débito. Tudo tão complicado mas ao mesmo tempo tão claro. Cunhamos termos próprios da nossa vivência, adequados ao nosso espírito de desenrascadores profissionais e militantes.

No meu entender, o "complicómetro" é uma ferramenta própria do ser humano que é usada para tornar a vida do cidadão ainda mais difícil do que já é. É frequentemente usada para confundir, atrapalhar, embaraçar, perturbar e outros mais verbos.

Penso que ainda não tenha sido diagnosticado nenhum cidadão com "complicometrismo crónico" mas certamente que existem por aí. E a cura é muito fácil, é só desligar a ferramenta, abortar o abuso de confiança. Mudar o presente do indicativo "eu complico" para o pretérito imperfeito do indicativo "eu complicava". Descompliquem a nossa vida, por favor, mas sem facilitismos precoces e interesseiros.