A visão de Carlos Pacheco assemelha-se, com algum perigo, aos juízos de valor que a Pide tinha e formulava sobre os movimentos de libertação, neste caso concreto, do MPLA. Um bando de terroristas, de psicopatas e de assassinos. Como fazer a análise de uma leitura tão enviesada, tão, diríamos mesmo, perturbada, sem uma visão que devia requerer algum rigor científico, objectivo, a partir dos muitos documentos que já estão à disposição dos estudiosos?
Efectivamente tem vindo a estar "na moda" o surgimento de publicações pretensamente históricas baseadas sobretudo ou totalmente em documentos dos arquivos da antiga polícia fascista portuguesa. Se estes são efectivamente incontornáveis para os estudiosos que investigam o período colonial ou sobre nacionalistas, não podem nunca ser usados sem uma profunda análise, averiguação e confrontação com outras fontes. No presente caso é evidente ser um trabalho claramente partisan e com um objectivo político definido e não um trabalho histórico, como aliás se tem podido reparar em outras publicações do mesmo autor. Há que reconhecer, no entanto, que possui muitos dados referenciais interessantes sobre alguns acontecimentos, fornece indicações úteis sobre documentos e fontes existentes nos arquivos da PIDE. Mas no que diz respeito ao uso das mesmas, à linguagem usada, à facilidade com que faz acusações e chega a conclusões, direi simples e educadamente que é mais um trabalho muito pouco sério. Mas evitando entrar muito em análise generalista do livro, acho conveniente contribuir com alguns breves alertas e observações sobre algumas das inúmeras falsidades que pude observar no livro de Carlos Pacheco (CP) resultando das consultas e entrevistas que realizei ao longo destes últimos anos. Não usarei aqui o facto de ter sido observador e actor de alguns momentos referidos por CP, e muito menos o de ser filho de um dos protagonistas do "bando do Neto".
Acho necessário mencionar, antes de mais, que já em 1997, no seu livro "MPLA, um Nascimento Polémico", o autor fizera uma afirmação que se tornaria paradigmática e que convém recordar: "É falsa a "história" do famigerado "Manifesto" do MPLA (...). Onde se encontra afinal esse papel que nunca ninguém viu? Eu pessoalmente já pesquisei de ponta a ponta os núcleos documentais do arquivo da PIDE atinentes ao MPLA e nunca esse papel se me revelou. Por isso posso afiançar com toda a segurança que, relativamente a esse "Manifesto", as versões de Franco de Sousa, António Jacinto e Lúcio Lara não têm a mínima credibilidade factual e histórica." (Pacheco, 1997: 33) O tal "papel que nunca ninguém viu" e portanto não existiu porque não o encontrou nos arquivos da PIDE, veio a surgir, tempos depois, tanto no arquivo de Lúcio Lara como no de Mário de Andrade. CP nunca se desculpou das falsas afirmação e acusações que usou "com toda a segurança". Este caso tornou-se, pelos investigadores, estudiosos e professores, como exemplo de uma metodologia a nunca seguir, afirmações a evitar e como não transformar uma investigação em inquisição.
Mesmo assim, o autor não só não foi capaz de se aperfeiçoar, mas continuou com o mesmo princípio inquisidor atrás do "Bando do Neto", sentado durante anos na Torre do Tombo e engendrando das mais caluniosas estórias aproveitando tudo o que São José Lopes (o director da PIDE/DGS em Angola) lhe deixasse à mão.
Ao acabar a leitura dos dois volumes, vieram-nos de imediato à memória os livros publicados e deixados por Ruth e Lúcio Lara e a longa recolha de centenas de memórias pela ATD. Era suposto que estas publicações fossem também fonte de material de investigação. É aceitável que a escolha unilateral de fontes (que é praticamente reduzida à Pide...) seja uma escolha que interesse à visão (obsessão...) do autor, tomando como definitivo e indiscutível uma visão parcial e esquecendo a maior parte das restantes fontes?
Só para dar um exemplo, aproveitando o que diz: nos acontecimentos surgidos a 7 de Julho de 1963 que levaram a confrontos entre o MPLA e o grupo de Viriato, CP só se refere a uma versão dos factos e que inquire à sua maneira. Afirma ele que Manuel Lima "qual um judas" teria vexado Viriato à vista de toda a gente, "remessou-lhe os óculos ao chão e esmagou-os com o próprio pé enquanto com um ódio animal nos olhos praguejava "É este o comunista, batam-lhe mais" dirigindo-se aos guardas congoleses". A fonte que usa CP (e que irá usar várias vezes), um tal António Queirós de Guise, que foi um agente da PIDE e delator no MPLA, reconhecido pelo próprio autor teria acabado por fugir para Angola e aí justificar-se com estórias das mais mirabolantes na PIDE e nos órgãos de imprensa sobre o MPLA. Ora, no 3º volume do Amplo Movimento (Lara, 2008:244), está a transcrição da carta de Manuel Lima que se demite a 6 de Julho do MPLA (um dia antes do acontecimento). Existem vários outros documentos públicos do MPLA assim como entrevistas que o acusam de ter abandonado e de ter fugido para o estrangeiro justamente quando a situação se tornou crítica. Ou seja, Lima, na altura, não só não estava no MPLA, como muito provavelmente nem estivesse já em Kinshasa. Não acredito que mesmo inquisidor, CP não tivesse reparado na carta de Manuel Lima, até porque os três volumes publicados pela ATD possuem um índice remissivo que facilita a localização de cada personagem citada, índice esse inexistente na obra de CP.
Mas não acontece só com as fontes da ATD. Há o exemplo do "Caso Chamilo/Cuidado". Em 1968, no término da 1ª Assembleia Regional da 3ª Região, é fuzilado um membro da direcção militar, o Flávio Fernandes "Bombeiro" após ter sido sumariamente julgado pela morte do Comandante da 4ª Região Militar - Pedro Chamilo "Cuidado" e ferimento de outros dirigentes. Também aqui existem vários documentos e entrevistas sobre o acontecido, destacando-se o testemunho de Dino Matrosse, um dos visados por Bombeiro, no seu livro Memórias, que explica em pormenor o acontecimento (2005:190-3). As razões do homicídio são imputadas ou a problemas mentais ligados a assuntos sentimentais que teria Bombeiro (segundo pessoas por nós entrevistadas), ou por não se ter conformado com a promoção de "Cuidado" a um lugar que pensava ser ele merecedor. CP consegue encontrar uma nova versão e fingindo alguma subtileza, deixa entender que teria sido Agostinho Neto a incitar "o seu capanga" Bombeiro a cometer o crime, por "Cuidado" ter imputado na Assembleia a morte de Henda ao Presidente Neto (p.88). Só CP poderia chegar à conclusão que Neto, na sua "ânsia assassina", mandaria sacrificar quatro dos seus melhores comandantes unicamente para atingir o Chamilo/Cuidado.
Tomemos outro exemplo mais anedótico entre as várias execuções discriminadas. É referido por CP o "fuzilamento" em 1973 do conhecido primeiro Comandante da 5ª Região Militar - João Manuel Samukanga "Tito Moto-Moto" (p.754 e 943). A fonte de CP é fidedigna e este é categórico: "quando se supunha estar a cumprir a pena numa penitenciária de Dar-Es-Saalam, fuzilaram-no"! No entanto, este mesmo comandante estava vivo e de perfeita saúde, em 2013 quando entrevistado pelo Projecto "Trilhos" da ATD. Quantos ainda vivos após a Independência não terão sido "fuzilados" por Pacheco?
Outra invenção, já menos caricata, é a da "execução" do Comandante Jika. São dezenas os testemunhos da morte do Jika que estiveram ao lado dele na altura.
Existe na ATD registo de alguns deles. Jika morreu no Morro do Chizo, atingido por um estilhaço de obus de morteiro proveniente de uma posição da FNLA. CP volta a insistir, depois da mesma acusação na sua publicação de 2010, que Jika foi atingido por bala de uma espingarda telescópica cujo atirador instalada na torre do aeroporto de Cabinda, recebera ordem de Neto. As suas informações estão baseadas em fontes que "pediram anonimato" (sic). (p.225 & 2010:166). Como este exemplo, existem vários. Desde traidores fuzilados (como em qualquer processo revolucionário), até guerrilheiros mortos em combate, consegue-se deixar entender a existência da mão criminosa do "bando do Neto" e principalmente do seu líder.
Bem, em mais de 1500 páginas de narração baseada principalmente nos dados da PIDE, imagine quantas afirmações feitas podem ser questionadas ou desmentidas... CP sabe ser impossível confirmar cada uma das acusações que faz com tanta simplicidade, ainda mais baseadas em acontecimentos de há mais de quarenta anos. Mas pode ser uma oportunidade para se esclarecer com maior profundidade aqueles casos que motivam especulação como a suposta intenção de liquidar o Mário de Andrade na sua reintegração em meados de 60, sobre o Rafael Zembo Faty, sobre o Benigno Vieira Lopes "Ingo", o caso de Costa Sobrinho, sobre o Ciel da Conceição "Gato", o Brica, o Augusto César Kiluanji, João Luís Neto "Xyetu", Daniel Chipenda, sobre o golpe pretendido em 1972, etc. etc.Se algumas falsidades são irrelevantes, muitas outras atentam contra a dignidade das pessoas sem o mínimo de retenção ou ética. A possibilidade de existirem informações verídicas não é impossível, mas de tanta manipulação da informação feita pela PIDE e por CP, só uma revisão minuciosa levada a cabo por estudiosos idóneos poderá dar credibilidade a uma ou outra delas.
À medida que vamos avançando na leitura, encontramos um quadro terrível, em resultado de um "julgamento" no mínimo eivado de subjectivismo: Os líderes africanos são todos definidos da mesma forma, vivendo da ambição da conquista do poder pelo poder... Como olhar para uma descrição que parece retirada de um filme de terror?
Para CP, tal como para a PIDE, os líderes anticolonialistas africanos e dirigentes da luta de libertação, angolanos ou das outras ex-colónias, eram todos feitos da mesma estirpe. Sem nenhuma dificuldade, afirma que Neto "ensoberbado no seu despotismo, ... igualava-se a Samora Machel e a outros líderes independentistas temperados ideologicamente no barro do estalinismo ou do maoismo"(:72). Não passavam todos eles e os seus "bandos" de um amontoado de malfeitores, quando não de assassinos. Mas não irei por aí...
Depois de Neto, existem claramente para CP dois alvos predilectos que, coincidentemente, também o foram para a PIDE: Iko Carreira, mas também Lúcio Lara.
Em relação ao Iko Carreira, uma das principais acusações de CP é de ter tentado desertar (pp. 102-124). Procurei encontrar em que momento existissem provas que me levassem a acreditar que efectivamente Carreira teria a intenção de se entregar aos portugueses e... não encontrei! Os casos dos contactos feitos no Congo em 1965 só confirmam a a ligação com um comerciante/agente da PIDE em Kinshasa que garantia a troca de correspondência e de material enviado de Angola com quem Carreira teria tentado enviar o seu filho para o mesmo destino, tentativa que viria a abandonar com este intermediário. CP não refere, pelo menos neste capítulo, que posteriormente Iko encontrou outra forma de enviar o seu filho e por esse motivo ter sido duramente criticado no seio da organização. Não se sabe até que ponto alguns membros da direcção tinham ou não conhecimento do caso. Quanto aos contactos feitos nas matas próximas do Luena com os dois agentes da PIDE em 1969, a conclusão a que se chega, e conforme previa o próprio director da PIDE São José Lopes citado por CP, é que Iko aproveitou-se dos mesmos para angariar uma grande quantidade de bens alimentares e outros meios de significativo valor financeiro para apoio ao núcleo guerrilheiro, acabando possivelmente por divertir-se com todo o sistema pidesco, levando a que fosse organizada uma operação para o seu resgate militar num local perto do Luena em que não apareceria. Meses depois prometeria desertar quando estivesse na Itália onde o seu pai teria que ser o intermediário. Pai esse que Iko seguramente sabia ter falecido meses antes, através do Mário de Andrade, alertado do sucedido pelo seu irmão em Portugal (Carta de Joaquim PA a Mário PA de 23/11/69). Tudo o mais se parece com um jogo entre o gato e o rato sendo os protagonistas São José Lopes em Luanda e Iko Carreira nas matas através dos convencidos agentes intermediário... Mas não conhecendo dados sobre essa matéria, prefiro não especular... O facto é que Iko tinha possibilidade de desertar quando quisesse e não o fez. E porque não o fez? Segundo CP, porque optou por "dar o mesmo passo daquele sacerdote que no filme Confession, continuava a ajoelhar-se dentro de uma igreja que já não lhe inspirava confiança, só a influência do colarinho o retinha". (p.118). Uma conclusão demasiado romanceada para quem procura factos históricos.
Quanto à inquisição a Lúcio Lara, pelo que me pude aperceber, só existe um caso "criminal" encontrado por CP para sustentar as acusações e adjectivações usadas, é o caso de Matias Miguéis. As demais referências limitam-se mais à intriga que à inquisição e não me parecem dignas de serem enquadradas no panorama dantesco criado.
Resumindo o acontecimento largamente relatado por CP (pp.165-243): Matias Miguéis, ex-dirigente do MPLA até 1963, que depois se aliou à FNLA, seria detido a 12 de Novembro de 1965 (a data é importante), em companhia de José Miguel, no porto de Brazzaville quando seguiam para Kinshasa. Segundo CP, teriam sido levados para o Bureau do MPLA de Brazzaville, onde se encontrava Agostinho Neto e diariamente trabalhava Lúcio Lara. O Presidente teria indigitado Lúcio e Iko para procederem ao interrogatório que Lúcio teria gravado e cujas fitas ainda estariam hoje em sua posse. Segundo descreve CP: "Enquanto durou o calvário de Matias e José Miguel no cárcere, Lara ia todos os dias ao bureau trabalhar. Era ele que dirigia a representação do MPLA em Brazzaville, no Rond Point de Moungali e dava ordens a dois soldados que, quais leões de pedra, montavam guarda às instalações e aos prisioneiros" (p.179). Dias depois seriam escoltados para Dolisie de carro. CP descreve: "Lara, insensível aos enormes padecimentos antes causados às vítimas, incitou com a alma em delírio os militares que viajavam a espancá-los mais, o que fizeram com um selvagismo inaudito. Parecia uma dança macabra executada ao ritmo de um tambor frenético. O ar incendiou-se com os gritos de dor e de sangue dos sacrificados".(p.177). Posto isso, chegariam a Dolisie onde acabariam por ser executados. Entre os responsáveis também estaria Daniel Chipenda.
E quais são as fontes da PIDE de que se serve o autor? 1º) Um comunicado do grupo de Viriato em Kinshasa, que refere possuir uma mensagem enviada por M. Miguéis a informar a sua detenção; 2º) Uma informação do já referido António Henrique Queirós de Guise que "testemunha" a conversa de Lara com os guardas dos detidos antes de partirem para Dolisie e 3º) As confissões de António Rebelo de Macedo "Certa", comissário da coluna Bomboko, capturado em 1971 e longamente torturado tendo acabado por falecer, anos depois da independência, mentalmente perturbado pelas sequelas da tortura. Este teria descrito com detalhe todos os acontecimentos, mesmo ficando subentendido não os ter testemunhado como se pode constatar ao referir-se à gravação que teria sabido por Carlos Rocha "Dilolwa". Existem complementos de outras informações da PIDE, espalhadas mas sem relevância.
Olhando para a versão de CP, desde já se pode referir que a que a presença, e portanto participação de Chipenda é pouco provável. Facilmente se encontram dados que comprovam que na altura, o mesmo se encontrava na Tanzânia como representante do MPLA. Acredito que o próprio CP tenha alguns documentos da PIDE sobre as actividades desenvolvidas na Tanzânia.
Olhemos agora para outras fontes que acredito serem mais unanimemente aceites na área da história e até da jurisprudência.
Consultado um dos blocos de apontamentos pessoais da época de Lara, o mesmo relata as actividades desenvolvidas entre os dias 13 e 23 de Novembro fora de Brazzaville. Acho oportuno resumir as mesmas: 1º) de 13 a 15 de Novembro (um dia depois da detenção de M. Miguéis em Brazzaville) Lúcio está numa reunião em Dolisie com Henda, Gakson, Petroff e... Iko! (este também acusado de participar no interrogatório em Brazzaville). 2º) A 16/11Lara segue para a Zona B (Kimongo) com Lengue e o Soba Manuel. 3º) A 17/11 está em Ilupanga onde faz um reconhecimento ao Posto antigo e reúne com os guerrilheiros. 4º) A 18/11 é chamado pelo Henda e realizam um reconhecimento ao "QS" (?) com Lubota e António Massinga. Posteriormente seguem para Manda Binda onde estão com os sobas Carlos e Manuel Gomes e Lara regressa a Dolisie passando por Kimongo e Ilupanga. 5º) A 21/11 reúne em Dolisie com os delegados vindos de Brazzaville. 6º) A 23/11, reúne no CIR (Dolisie) e no dia seguinte com o Comando da 2ª Região. (ALL, Bloco de Apontamentos nº 5 /1965). Tudo indica ter sido pouco provável que Lara tenha cruzado com os detidos em Brazzaville na altura da detenção
Por outro lado, não encontrámos nos arquivos de Lúcio nenhuma fita magnética com declarações de Matias Miguéis. É de recordar que o mesmo, como aliás menciona CP, sempre que questionado sobre o acontecimento, tem afirmado não possuir dados suficientes sobre o mesmo. Creio que através das actas da Reunião Alargada de Dirigentes em 1966, que na lógica de CP também devem estar na PIDE, alguns aspectos do referido caso poderiam ser elucidados, nomeadamente através de intervenções como as de João Vieira Lopes, Deolinda Rodrigues, Benigno Vieira Lopes e outros.
Como bem afirmou na sua pergunta, fica difícil levar o CP a sério. Mesmo para romancista de ficção histórica, é indigesto. Mas o problema é que só quem tem algum conhecimento sobre aquele período, pela vivência ou pelo estudo, consegue ter noção das incoerências. Para uns é mais um livro que se junta à muita desinformação e calúnia que tem vindo a surgir a que não dão importância. Para outros é considerado uma prova da degeneração dos combatentes nacionalistas. Acredito ser mais uma futura bíblia para políticos. Mas como referi, para investigadores sérios, há muita descrição de fontes interessantes que podem ser úteis. O problema é que a estas publicações que vão saindo, quase não se contrapõem resultados da História por parte não só dos historiadores, mas também dos próprios protagonistas atingidos, com raras excepções.
Apesar de não acreditar haver muita gente com a obsessão que tem Pacheco, penso que continuarão a aparecer vários livros de "ficção", sob a capa de História, sobre a luta de libertação e não só.
Neste caso concreto, junto-me às vozes que apelam à abertura dos arquivos. Não só os dos Partidos como os privados. No mínimo, que se siga o exemplo de alguns países que fazem apelo (ou aceitam) a investigação por historiadores de idoneidade reconhecida (que não têm que ser obrigatoriamente nacionais) dos documentos existentes, mesmo salvaguardando os considerados ainda sujeitos à confidencialidade.
O outro aspecto é a corrida contra o tempo na recolha da memória. Um trabalho que não tem merecido a seriedade e atenção necessária de quem de direito e que tem levado à perda de inúmeros testemunhos, o que dificulta o esclarecimento de várias situações e a possibilidade de uma maior objectividade.
A História deve ser encarada de forma séria, com investigação, avaliação e cruzamento das fontes, com entrevistas que ajudem a enriquecer os dados obtidos e assim caminhar-se para o entendimento mais objectivo do nosso passado.
Em qualquer país, a história é marcada pela heroicidade dos feitos dos seus combatentes, e os seus descendentes não necessitam de ter receio a referências de possíveis imperfeições e erros cometidos nas condições desta e outras lutas. Não existem pessoas imaculadas num processo tão difícil como foi o da luta de libertação, mesmo aos "imprescindíveis", aqueles que "lutaram toda a vida" como refere Bertold Brecht, aqueles que se tornaram referências de todo um período histórico.
Em Angola "honrar o passado e a nossa história" não deve limitar-se a um simples hino nem a uma quimera.