Há umas décadas, alguns, muito poucos ainda assim, saberiam explicar as verdadeiras razões que fundamentam esta desregulação moral, o uso e abuso das bebidas alcoólicas, o desconchavo moral em que sub-vivemos.

Como não está na moda e os papagaios repetem em regime de exclusividade o que os chefes, chefitos e chefões vão debitando aqui e acolá, entre cerimónias luxuosas e as sirenes que assinalam de forma tosca e parola quem apenas se consegue impor pelo medo, jamais pelo respeito, ouvem-se pseudo-lições de moral, intervenções de falso pendor pedagógico, massacrando a cabeça de cada um e levando-nos a pensar que, afinal, somos nós, somos todos nós, os responsáveis pelo estado amoral a que chegámos.

Há quem não esqueça que é a base material ou, se preferirem, a estrutura material de produção e distribuição de bens e serviços que determina a globalidade da estrutura social. A estrutura social que preferimos denominar de superstrutura, que, sendo um conceito muito mais abrangente, inclui

características sociais como a cultura, o direito e a jurisprudência, hábitos e tradições e ainda o que Fonseca-Statter chama de "psicologia dominante da população".

Os "descobridores" mais recentes do capitalismo puro e duro e dos seus (falsos) benefícios pretendem impor-nos um paradigma que, há alguns anos, pelas suas próprias penas e bocas, eram os primeiros a atacar e a condenar: o conflito entre classes sociais é uma ideia para esquecer porque o sistema que defendem é suposto que tenda, no nosso caso, obrigatório, imposto e forçado, a uma suposta "harmonia social" e a um "equilíbrio de forças".

O que resulta na esteira de uma história antiga e sempre mal contada de que, no sistema capitalista, tudo é vendido como se vivêssemos no melhor dos mundos possíveis.

A simples ideia de que o crescimento do sistema económico escolhido fez aprofundar as desigualdades, aumentou o fosso entre ricos e pobres, prejudicou os mais desfavorecidos, ainda que alargando alguns, poucos, privilégios a uma classe média, que aparentemente nascia e está para já condenada a ir desaparecendo, é considerada uma aberração, vindo logo a seguir os epítetos habituais de radicalismos e outros "ismos", alguns dos quais eram por si defendidos quando lhes deu jeito, largando-os mal o vento mudou de direcção.

Não houve preocupações sérias em abrir caminho para uma educação generalizada da população; em trabalhar por um serviço de saúde de qualidade que chegasse à esmagadora maioria dos cidadãos; não se lembraram mais cedo da absoluta necessidade de água potável, energia e serviços básicos de saneamento e esgotos; não conseguem entender ainda que é a existência destas condições materiais que conduzem à formação cívica e à solidez intelectual que corporizam a formação integral do ser humano.

E nos seus actuais conceitos de moralidade, de urbanidade e de civismo socorrem-se das igrejas - para onde, entretanto, também foram empurrando grande parte dos cidadãos sem norte, que se viram apanhados em contramão quanto à dimensão real dos valores que nos foram inculcados desde 1975 - para quererem que nos tornemos sérios, educados, civilizados, responsáveis e conscientes.

Enquanto não for resolvida a questão de fundo - e esta passa por arrepiar caminho, desistir da pretensão de construir uma sociedade de modelo exclusivamente capitalista - e não se estudarem formas já encontradas e conhecidas de, mantendo uma economia de mercado controlada, alargar os benefícios básicos de uma pequena minoria a todos, a desregulação moral, a criminalidade e todos os sintomas de uma sociedade doente não vão desaparecer.

Sem a alteração dos fundamentos das políticas económicas, sociais e culturais seguidas nos últimos anos, não será nunca possível querer moralizar a nossa sociedade.