A Catherine, a minha irmã mais nova, vai apanhar borboletas e pirilampos para ele. Na minha escola eu tenho um amigo da Síria, o Omar, e vou apresentá-lo ao Omar e podemos brincar todos juntos.
Podemos convidá-lo para festas de aniversário e ele vai ensinar-nos outra língua. Podemos ensinar-lhe Inglês também, tal como ensinámos o meu amigo Aoto do Japão. Por favor, diga-lhe que o seu irmão vai ser o Alex, que é um rapaz muito simpático, tal como ele.
Como não vai trazer brinquedos e não tem brinquedos, a Catherine vai partilhar com ele o seu coelhinho de peluche azul. E eu vou partilhar com ele a minha bicicleta e ensiná-lo a andar nela (...)
Muito obrigado! Estou ansioso para que ele chegue!
Alex"
O Presidente dos EUA recebeu a carta de Alex, de seis anos, e leu-a aos líderes presentes na cimeira sobre refugiados da ONU, que ocorre em simultâneo com a 71ª Assembleia Geral da organização, em Nova Iorque. Alex não ficou indiferente às imagens daquela criança, de cinco anos, depois de um ataque aéreo, que transformou em escombros a sua casa, na Síria. Coberto de pó e com sangue a escorrer pela face, Omran Daqneesh ficou imóvel, sentado, no interior da ambulância. Não chorou, não gritou, não chamou por ninguém. Com a pequena mão, apalpou a parte do rosto coberta por sangue e olhou para ela. Depois, esfregou a mão no banco, como quem tenta limpá-la e ficou, assim, à espera...
Comovido, Alex escreveu a Obama, pedindo-lhe que fosse buscar aquele menino. "Estas são palavras de um rapaz de seis anos, que nos ensina muito. É a carta de uma criança que não aprendeu a ser cínica, desconfiada ou medrosa", sintetizou o Presidente americano, antes de apelar à ajuda dos Estados, num tempo de emergência social.
Yang e Li Keying e os quatro filhos do casal viviam com a avó e o pai de Yang numa pequena casa de tijolo, com chão de terra batida, na aldeia de Agushan, no interior da China.
A mulher lavrava a terra, enquanto Li rumou à cidade à procura de trabalho. Um dos milhões de rurais chineses que se deslocam em busca de qualquer tipo de serviço, que garanta um salário. O homem tinha um vencimento anual de 7.000 yuan (cerca de mil dólares) e enviava metade para casa. Incapaz de alimentar a família, Yang pediu ao governo o subsídio destinado às famílias com rendimentos mais baixos, mas o pedido foi negado. O comité da aldeia justificou a decisão com o argumento de que o rendimento anual da família era superior a 2.300 yuan (412 dólares) por pessoa. Familiares revelaram à imprensa que o apoio foi anulado, porque o casal rejeitou subornar os funcionários locais.
Desesperada, Yang suicidou-se, com pesticida, depois de matar os quatro filhos. O marido juntou-se a ela. Pôs termo à vida, depois de enterrar a mulher e os filhos.
A história foi tornada pública quando decorria a Cimeira do G20, realizada este ano na China. E provocou indignação nas redes sociais. "Somos uma sociedade brutal, em que as pessoas se comem umas às outras", comentou um internauta, enquanto Xiang Songzuo, economista-chefe no Agricultural Bank of China escreveu que a "situação reflecte a dura realidade da pobreza na China".
"Por um lado, temos funcionários corruptos a desviar centenas de milhões a cada instante e os ricos que gastam aos milhares por dia, competindo para ver quem compra mais, enquanto do outro lado estão os que vivem numa pobreza tão extrema que perdem a vontade de viver", acrescentou Xiang.
Dias depois, uma foto do cão do filho de Wang Jianlin, o maior investidor em imobiliário da China, surge no Weibo, o Facebook chinês, ao lado de oito caixas de iPhones 7, o último telemóvel da Apple. Em Maio do ano passado, Keke, assim se chama o cão, um malamute do Alasca, surge com dois relógios da Apple, no valor de 26 mil dólares, o que nos faz questionar "que mundo é este?".
Não nos iludamos com grandes elucubrações. As principais causas das guerras, radicalismos e extremismos por trás da grande massa de migrantes que se move pelo globo é a fome, as desigualdades e a indiferença. Enquanto não se conseguir atenuar e exterminar estes três males, haverá pasto para alimentar a bestialidade humana.