O interesse de uma galeria britânica numa escultura nkisi, oriunda do antigo Reino do Congo, pertencente ao espólio do Museu de Faro, desencadeou uma discussão em Portugal sobre a venda de peças que fazem parte de espólio museológico e que são património de mais do que um país.

A proposta de compra, no valor de dois milhões de euros, apresentada no início do ano, foi chumbada na reunião do executivo da Câmara Municipal de Faro, realizada há duas semanas. E fez saltar o assunto para os jornais, com os vereadores da oposição socialista a acusar o executivo do PSD por tentativa de "delapidar os bens culturais da cidade".

Questionado pelo jornal Público, o Ministério da Cultura português, clarificou que o Museu de Faro não pode vender nenhuma das suas peças, sem autorização do ministro da tutela, mas vez que integra "o domínio público municipal".

Citada pelo diário, a assessora do Ministério da Cultura, Teresa Pizarro, remete a questão para a Lei-Quadro dos Museus Portugueses, que faz depender a venda de peças pertencentes a museus da sua "desafectação do domínio público".

Para isso, é necessário uma "autorização do ministro da Cultura", que é concedida depois de este ouvir o Conselho Nacional de Cultura". Embora o director do Museu de Faro, Marco Lopes, garanta que não existe intenção de vender a peça, a polémica estalou, com várias vozes a manifestarem estranheza pela posição da autarquia de Faro. "Tanto quanto me lembro, isso nunca aconteceu e, francamente, não percebo como pode ser equacionada uma possibilidade dessas", afirmou Bairrão Oleiro, ex-director do Instituto Português de Museus e assessor da EGEAC, empresa municipal que gere os equipamentos culturais na cidade de Lisboa, salientando que se a Câmara de Faro não tem interesse na peça "devia procurar depositá-la ou entregá-la a outro museu onde ela fizesse sentido".

O director do Museu Nacional de Etnologia, instituição de referência para a arte africana em Portugal, cujo espólio integra a maior parte da meia centena de esculturas nkisi em território português, também contesta a venda.

Segundo Paulo Costa, a peça "é inalienável", porque é um "bem museológico" que, mal entra num museu, fica "submetida a uma figura de protecção legal que é o inventário". Além disso, a Lei de Bases do Património Cultural é outro travão, uma vez que obriga a "uma autorização de exportação definitiva na Direcção-Geral do Património".

Num comentário à notícia, a jornalista e historiadora Isabel Salema, qualifica a história como um "embaraço". "A peça está presente nos catálogos mais importantes sobre arte africana em Portugal e é também um tesouro angolano", sublinha, evidenciando a responsabilidade dos museus portugueses detentores de colecções de etnologia, alguns deles "depositários de um património que muitas vezes foi saqueado", pelo que enfrentam o problema ético de vender uma peça que pode ser reivindicada por Angola.

Angola está atenta

Confrontado com este caso, o director do Gabinete Jurídico do Ministério da Cultura angolano, Aguinaldo Cristó- vão, a quem a ministra Carolina Cerqueira endossou um comentário, concorda que "este património cultural é inalienável", pelo que a venda não pode ser feita.

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