Nunca escondi o meu receio sobre Trump, que continuo a achar um oportunista sem princípios. O que acho pouco atraente nele é o que é conhecido como "dog whistle racism" ou "o racismo do assobio ao cão": pensa-se que alguém está apenas a assobiar mas está a dar instruções a um cão. Os nacionalistas brancos identificaram-se muito com Trump e com o recado de que chegou a hora de travar o esforço para a igualdade racial.
Na base do nacionalismo branco está a ideia de que quando Deus criou o mundo, à raça branca não só foram dados atributos especiais mas figura no topo na hierarquia das suas criações. Segundo estes nacionalistas, mexer com esta ordem, dando valor às outras raças, vai contra o desejo de Deus. No mundo deles, tudo tem que ser feito para manter as assimetrias entre os povos. Os nacionalistas brancos dão muita ênfase à suposta superioridade da capacidade intelectual do homem branco.
O curioso é que alguns nacionalistas brancos acreditam também na superioridade dos asiáticos e, sentindo-se inferiorizados, insistem que deveria haver limites no número de asiáticos nas empresas das novas tecnologias ou nas faculdades. É aí onde as coisas se tornam complicadas: se Deus prefere tanto a raça branca, por que razão é que a sua supremacia só pode ser garantida com a opressão de outras raças?
No mundo dos nacionalistas brancos, qualquer forma de igualdade com os negros é uma grande distorção da ordem de Deus. Para eles, o avanço do negro só é possível de uma forma fraudulenta. Há uma pequena cidade nos Estados Unidos cuja especialidade era vender material sobre a falta de legitimidade do Presidente Obama: a sua suposta religião muçulmana; o seu nascimento no Quénia, até mesmo a sua falta de qualificações académicas. E quem orquestrava estas falsidades? Donald Trump. Era Trump que dizia que o sistema de segurança de saúde - dito Obamacare - era o produto de uma mente medíocre que só poderia ter vindo do pior presidente que os Estados Unidos já tiveram. Vários nacionalistas brancos engoliram esta narrativa sem qualquer crítica. Só que agora o mesmo Trump anda a dizer que há partes do mesmo programa que ele acha serem valiosos. O rigor e a consistência não são qualidades que são prezadas no mundo dos nacionalistas brancos.
Os nacionalistas brancos sentem-se marginalizados e injustiçados. Os políticos sem princípios vão assobiando para reforçar estes preconceitos. Nos anos 80, falava-se de mulheres negras que andavam de limusines e davam aos seus filhos grandes bifes resultado do dinheiro que recebiam da assistência social.
A mesma retórica continua. Logo depois da eleição de Obama, a Breitbart, um site que foi dirigido por Steve Bannon, agora conselheiro principal de Trump, teve um clipe a mostrar um grupo de negros numa igreja supostamente a louvar o Obama como se fosse um Deus. Tudo era falso. A ideia era que cá estavam os negros, mais uma vez, preguiçosos como sempre, à espera de esmolas. Na altura, falava-se de ter que recuperar os Estados Unidos, como se o mesmo tivesse sido capturado por estranhos.
Muitos nacionalistas brancos, alguns deles bastante jovens, olham para um passado onde tudo parecia ser perfeito: o negro dava o caminho ao homem branco e sabia o seu lugar. Havia, na altura, vários arranjos para garantir a desigualdade racial.
Os Estados Unidos da América são uma criação ligada a um ideal; os fundadores da pátria não queriam continuar como parte do império com um rei lá na Grã-Bretanha. A constituição dos Estados Unidos diz claramente que Deus criou todos os homens na base da igualdade. Houve quem não acreditasse na igualdade e o país conheceu uma guerra civil sangrenta. No século XIX, havia quem argumentava que os Estados Unidos seriam punidos por Deus por causa da prática de escravatura. Os Estados Unidos passaram a ter a maior economia do mundo, em parte porque sempre atraiu imigrantes, prontos a trabalhar para realizar o seu sonho americano.
O futuro dos Estados Unidos vai depender muito da criatividade dos seus cidadãos, que agora vão ter que competir com o resto do mundo. Os nacionalistas brancos vão ter que aceitar o facto de que Deus abençoou não só os brancos, mas todos os seus filhos.