Queixou-se, por exemplo, em 2008, na voz do seu líder, de "uma certa promiscuidade" entre a actividade empresarial privada e o exercício de cargos governamentais ou da administração pública. Ou seja, o MPLA assistiu imponente, durante anos, a várias situações em que correligionários seus foram "árbitros" e "jogadores" ao mesmo tempo, mas não pôde corrigir os inúmeros descaminhos com receio de abrir uma frente ou várias frentes que poderiam depois fragmentar e/ou deitar abaixo a bandeira da unanimidade e da coesão que sempre foi hasteada no seu seio; enquanto isso, e em contrapartida, militantes aproveitavam-se deste pormenor, e sabiam-no à partida importante.

Ao não partir para nenhum tipo de responsabilização, nem civil nem tampouco criminal, contra militantes que usaram o nome do partido para alcançar determinados fins à custa da militância, o MPLA manteve imaculada a imagem de uma força política coesa, uníssona, unanimista, unida à volta do seu líder, e solidária para com os superiores interesses do partido, e foi assim que muitos fizeram riqueza ao arrepio muitas vezes da lei, usando com couraça impenetrável o partido. Uma moeda de troca que terá incubado a contestação e/ou mesmo as tendências no seu núcleo.

O segundo caso de queixas do MPLA reporta-se também ao ano de 2008, quando o seu líder sugeriu numa reunião do comité central que "o melhor é comprometermo-nos com uma espécie de tolerância zero [à corrupção] depois do VI Congresso", acrescentando que, "enquanto partido maioritário e de governo, [o MPLA] foi "tímido" na fiscalização dos actos de gestão do executivo, quer na Assembleia Nacional, quer através do Tribunal de Contas". Para reforçarmos ainda mais esta leitura, recordemos um trecho bastante revelador do seu presidente: "Devemos aprovar regras mais claras para pôr cobro a uma certa promiscuidade que ainda se verifica hoje. Um membro do Governo pode ser detentor de quotas numa empresa mas não deve ocupar-se da sua gestão nem desrespeitar o princípio da isenção, da imparcialidade no exercício das suas funções administrativas. Devemos corrigir todas as práticas negativas que afectam a imagem do MPLA. Estas são algumas pistas que deixo para aprofundamento posterior na firme convicção de que de facto faremos tudo para que o MPLA

seja cada vez melhor e ajude o país também a mudar."

Ora, se não foi nos termos mais explícitos, implicitamente fica claro que, ao longo desses anos, os protagonistas de situações que de algum modo feriram o primado da lei, o princípio da legalidade e da transparência na gestão da coisa pública, contaram - em nome de uma alegada estabilidade partidária, e longe das tendências internas (já lá vamos) - com o beneplácito do MPLA, que, no entanto, nesses últimos tempos passou a queixar-se em tom vivo da promiscuidade da actuação empresarial versus actividade pública e também da corrupção, que o próprio líder dos camaradas elegeu como segundo mal do país, a seguir ao conflito armado, mas sem chamar a actuação da responsabilização civil nem criminal.

Se não estivermos tão equivocados, esta transição que se avizinha deverá trazer para o epicentro do debate político questões de fundo: o MPLA precisará de se reinventar para que de facto esta transição ocorra em pleno, em primeiro lugar; em segundo, algumas práticas do passado terão de necessariamente de ser banidas. Por exemplo, não seria disparate algum dizer que ao longo dos anos vimos militantes do MPLA tornarem-se governantes de dia e de noite empresários sem causas, sem mecanismo algum de fiscalização à altura de contrapeso; a lei da probidade é o que é ou o que foi (?!).

E quando nos referimos a uma reinvenção do MPLA não é no sentido de cortar a relação umbilical com a sua actual liderança, não. Significa assumir com seriedade os desafios que foram lançados por esta em relação à luta contra a corrupção, por exemplo, e contra a promiscuidade, caso continue a ser Governo em 2017.

E mais: estar à altura de sustentar um debate interno, com a frieza que não se teve aquando da Revolta Activa, por exemplo, que, mais dia menos dia, será incontornável dentro do partido. Os interesses de grupos serão o próximo adversário que terá de enfrentar, e oxalá tenha noção disso e saiba digeri-lo bem!

Muito recentemente, o MPLA afirmou que não admitia tendências ou que não tinha tendências internas. Pura falácia política. Nesse pronunciamento ficou-se por explicar que tipo de tendências o MPLA não admitia, sob pena de ficarmos com a ideia genérica e errónea, certamente, de que o MPLA é um partido que promove a exclusão daqueles que pensam diferente.

E ao trazer essas declarações para a praça pública, também em nome do interesse público, era bom explicar que o partido ainda convive mal com a Revolta do Leste, com a Revolta Activa e com o 27 de Maio de 1977, daí que não admita tendências internas, o que nos incomoda enquanto analistas, não só por se tratar de um processo pelo qual passou enquanto formação política, mas por estarmos perante um passivo que o MPLA levará consigo ao longo de toda a sua história!

Se continuar a fugir ao debate sobre as tendências internas, que é um fenómeno natural das forças partidárias e não só, o MPLA estará a adiar um modelo de sucessão natural que se sustenta nessas correntes de opinião que emergem dos debates partidários. Por exemplo, a linha de sucessão deve existir como parte do aprofundamento da democratização do próprio partido, sob pena de continuar preso a uma ideia retrógrada segundo a qual aspirar ao cargo de líder é conspirar contra os superiores interesses da sua liderança. Não. Enquanto for governo, o MPLA não deverá andar a duas velocidades, uma interna e outra ligada àquela que o país imprime.