Talvez soubessem melhor os servidores dos grupos de interesse que fizeram do exercício político um instrumento refém das contrapartidas ou dos resultados económico-financeiros, mas sabem-no melhor os políticos porque quiseram que esta "nova ordem" ditasse as regras, fazendo da classe política, em muitas partes do mundo, um simples fantoche de um poder que sequestrou, condicionou e instrumentalizou os políticos, que há muito deixaram de agir politicamente.

Como resultado mais palpável, temos hoje um mundo perigosíssimo, onde a podridão e a imoralidade existem uma para a outra, sob a capa de um poder político que de político já só tem as marcas de um sufrágio universal também permanentemente ensombrado pelas suspeitas de manipulação, de simulação eleitoral, de fraude, da compra de votos, da negação dos resultados quando em desfavor do poder instituído, ou simplesmente, na ausência destas artimanhas, um posicionamento autoritário do poder, que se afirma como lídimo defensor do povo, mesmo quando o sufoca, o amordaça, e o deixa na condição de pedinte.

Que o mundo anda às avessas o ano de 2016 prova-o que sim, que estamos perante uma inteira negação da política nos termos mais civilizacionais, em que se assiste à mortandade como a mais alta expressão de insensibilidade política, que parece não ter olhos para ver, ouvidos para ouvir, nem boca para se manifestar contra aquilo que hoje vemos no Sudão do Sul, em Alepo, na RDC, na Gâmbia e muitos outros lugares do mundo.

Todos saberiam apontar os responsáveis se o manual de instrução política que serviu para formar os políticos contemporâneos não tivesse sido trocado por uma cartilha de interesses económicos.

A nobre missão de que muito se falou sobre a política enquanto instrumento útil ao serviço dos povos não passa hoje de uma falácia e de uma retórica do costume. Em inúmeras realidades, é cada vez mais difícil perceber o papel de um político e se faz algum sentido continuar a vestir a capa de servidor dos interesses das sociedades às quais pertencem ou se convém assumir o rótulo e o conteúdo como partes de um todo que se desligou do propósito que os engajou nesse exercício.

Sem ser esta análise contra os políticos, mas sim a favor da política, confrange-nos de algum modo soberanamente pesaroso constatar como ela é hoje exercida. Estranhamente, a primeira grande contradição está precisamente num conjunto de benesses que são destinadas a um deputado, por exemplo. Condições essas a que o povo que o legitimou nem sequer consegue ter acesso, por mais duro que trabalhe, por mais alto que diga que este é um direito que lhe cabe enquanto cidadão do país que, no entanto, proporciona condições de excepcionalidade a um representante político e deixa o povo na miséria, algumas vezes extrema.

Mas choca-nos mais ainda, e o ano de 2016 foi profícuo nisso, usarem da soberania popular para tomar decisões que chegam a ser responsáveis por inúmeras mortandades, que respondem pelo aprofundamento da miséria, pela violação dos direitos humanos, pela extensão de um posicionamento autoritário, que não tolera a opinião contrária, principalmente quando esta não cai nas graças do poder, quando ao cidadão é apontado o dever e o direito "de estar calado" e se confunde o exercício de cidadania com atitude político-partidária.

O ano de 2016, no caso angolano, chocou-nos pela indiferença ante os milhares de crianças e adultos que sucumbiram entre até Março de 2016, aquando do surto de febre-amarela. Chocou-nos igualmente o triste episódio do caso 15+duas, que felizmente teve o seu desfecho, quando nem sequer devia ter começado, porque é um daqueles casos que nos remete para uma condição rasteira em termos de (i)maturidade política. Ficou claro que pensar ou ter opinião em determinadas circunstâncias constitui em Angola um delito de opinião. Mas chocou-nos ainda mais o investimento que se fez numa "figura itinerante" para ir fazer o trabalho de casa: limpar o bom nome de Angola lá fora que o processo 15+duas "sujou". Porquê? Porque não tinha nunca de existir.

Chocou-nos e choca-nos mais ainda agora que começam as investidas dos militares e forças policiais na RDC, agora que começaram a ser divulgadas notícias de tiroteios.

Angola ajudou a legitimar a permanência no poder de Joseph Kabila, contribuindo assim para a farsa do acordo assinado no âmbito da Conferência Internacional dos Grandes Lagos, um processo que sabemos, à partida, vai causar inúmeras mortes de cidadãos congoleses democráticos. Angola, com o histórico de guerra civil de 27 anos, deveria ser um exemplo de tolerância à vida, e nunca apoiar morticínios, nem na RDC nem onde quer que tivesse que ser!

Em nosso nome e da nossa soberania, recusamo-nos a estar associados a práticas que visam o morticínio. Intriga-nos igualmente uma realidade que os políticos angolanos ainda não tiveram o cuidado de resolver: continuam a morrer cidadãos por conta de um simples hastear uma bandeira partidária. Pelos vários cantos do país, ainda se ouvem relatos de cenas de intolerância política motivadas pelo hastear de um simples tecido com cores partidárias, e até hoje as forças partidárias envolvidas nunca quiseram sentar-se à mesma mesa e fazer uma comunicação conjunta, em directo de preferência, a proibirem, se for o caso, que em seus nomes sejam molestados cidadãos pela sua opção político-partidária.

Confrange-nos essa obsessão pelos golpes de Estado. A seguir ao desnecessário caso 15+duas, era suposto não estarmos mais entretidos a "forjar" golpes ou a orquestrar cenários i(ni)magináveis de tentativa de tomada do poder por meio da força de umas quantas catanas e umas quantas armas de fogo achadas em "lugares fósseis" da guerra civil. É chegada a hora de os políticos devolverem à política alguma higienização, algum humanismo, alguma urbanidade que supere as falácias dos lugares comuns. Mas mais do que isso: é necessária a nobre missão de estarem ao serviço do bem-estar comum dos povos. Sem RDCs em chama, sem Alepos em extermínio. Voltamos a falar em 2017.