Disse-me também na na altura que, não obstante as suas várias fraquezas, a Gâmbia tinha vários aspectos positivos, sendo um deles a sua elite, que era bastante sofisticada. O presidente Dawada Jawara, que liderou o país desde a sua independência em 1962 até ao momento do golpe de Yahya Jammeh em 1994, foi uma figura com certa sofisticação. Soube, então, que o presidente Jawara pertencia a uma elite (descendentes de escravos que tinham sido libertos) semelhante aos crioulos da Serra Leoa ou os afro-americanos da Libéria; tratava-se de uma elite que levava a formação académica muito a sério. É por isso que a Gâmbia tem uma diáspora de destaque no Reino Unido e nos Estados Unidos. O regime de Jawara, soube também, embora eventualmente bastante letárgico, tinha uma certa abertura; Jawara veio, aliás, a facilitar uma confederação com o Senegal que não durou muito tempo. Como na Libéria, a elite gambiana afastou-se muito do resto da população, resultando no golpe de Estado de Jammeh.

Yahya Jammeh e o sargento Samuel Doe na Libéria apresentaram-se com líderes de uma nova ordem. Ambos não paravam de criticar os clãs que tinham acabado de derrubar. No caso de Jammeh, ele dizia abertamente que não podia com os membros da etnia Madinka; que estava pronto para os enterrar vivos. A retórica dele era tão violenta que as Nações Unidas tiveram que lhe chamar à atenção.

Da mesma forma como Samuel Doe transformou o governo num aparato para satisfazer os seus caprichos, Yahya Jammeh passou a ser um narcisista por excelência. De repente, todo o mundo tinha que o chamar Professor Doutor Yahya Jammeh. Uma figura que dizia ter descoberto a cura para o SIDA... Na Libéria, Samuel Doe, alguém que nunca tinha pisado um colégio secundário (ele só tinha o ensino primário), passou logo a ter um doutorado em Filosofia e Política. Depois deste doutoramento em Ciências Políticas, Doe mandou alguém escrever uma dissertação sobre a forma "brilhante" como ele estava a liderar o país. O "Doutor" Samuel Doe, como Yahya Jammeh, tinha acumulado vários doutoramentos Honoris Causa de países asiáticos. Um dia, altamente enfurecido, chegou a dizer ao embaixador britânico que queria um doutoramento em Política e Economia da Universidade de Cambridge imediato! Entretanto, Doe, tal como Jammeh, mandava os seus adversários para as cadeias rapidamente. Uma boa parte dos intelectuais chegaram mesmo a fugir do país.

Yahya Jammeh, como Samuel Doe, passou eventualmente a viver numa bolha; ambos passaram a ser vítimas do síndrome do "general no bunker". Lá fora tudo está a desfazer-se mas o General, por dentro, continua receber relatórios a dizer que falta só um pouco para a vitória final. É difícil ver como é que Jammeh pode sobreviver ao assalto colectivo de países da região contra ele. O Senegal diz que vai enviar tropas para subjugar quaisquer esforços que visem inviabilizar a subida ao poder do presidente eleito Adama Barrow. A Nigéria tem um barco a caminho de Banjul, a capital da Gâmbia. Yahya Jammeh, no seu bunker, insiste que irá resistir até à morte.

O poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente, dizia o britânico Sir John Acton. Nos casos de Yahya Jammeh e Samuel Doe, temos é casos que devem interessar os psicanalistas. Por causa do poder, os dois passaram a viver num outro mundo. O porta-voz do Yahya Jammeh foi recentemente entrevistado na BBC e parecia não ter entendido o que estava a acontecer à sua volta. Perguntado sobre os ministros que tinham abandonado o governo do Jammeh o porta-voz disse que isto não preocupava ninguém porque o Presidente tinha, à sua disposição, dois milhões de gambianos que ele poderia nomear para o seu governo.

O fim de Samuel Doe, que foi gravado, foi horrível; os seus adversários torturaram-no até à morte. Tal não vai acontecer com Yahya Jammeh; o mais provável é ser-lhe oferecido um asilo num país muçulmano do Médio Oriente, como foi o caso de Idi Amin no Uganda. Tudo isto tudo poderia ser evitado. Jammeh poderia ter insistido que os países da África Ocidental ajudassem na elaboração numa lei de imunidade para ele e os seus próximos. Os muitos doutoramentos que ele tem, como os de Samuel Doe, afinal são mesmo de pouco ou nenhum valor