Nasci em 1966 na missão do Dondi, no Katchiungo. A nossa casa era no Kachilengue, local da escola que, em 1953, o meu pai, Tavares Hungulu Jamba, fundou. Lembro-me do Papá e da Mamã a falarem umbundu. Os meus pais falavam para os meus manos em umbundu. O meu pai passou a ser professor eventual de uma escola estatal em Capingala, não longe da missão do Cuando; vivíamos numa casa que tínhamos alugado à família Mande.

Todos os meus amigos falavam umbundu quase todo o tempo. No fim dos anos 60, viemos para o Huambo, para o bairro Bom Pastor, e mesmo aí a língua principal era o umbundu. O problema surgiu em 1972, quando me levaram para a escola de Fátima, que fica a alguns metros do local onde estou a escrever esta crónica, para iniciar os meus estudos primários.

Esta era uma escola mista; pela primeira vez tive contacto com crianças brancas. Notou-se, porém, que, como vários miúdos vindo do bairro, eu era fraco na língua portuguesa. Durante as aulas, havia o contínuo, o homem que varria, que nos tinha que explicar certas coisas.

Lembro-me claramente que não sabia o que eram penas (de galinha). O contínuo veio-me explicar que era "ovonha." Fui descobrindo as maravilhas da aritmética, da ciência, mas tive sempre a consciência de que o português não era minha língua; a minha língua era o umbundu, que era a língua dos "atrasados". Mas mesmo como criança eu estava consciente da invalidade de tal afirmação.

A Mamã falava umbundu; o Tio Pessela, o pedreiro que vinha da Vila Graça para construir a nossa casa, estava sempre a falar umbundu e ele era, na minha visão, bastante inteligente.

Mesmo na igreja no Bom Pastor, havia o Pastor Videngadenga, padrinho do meu irmão mais novo, que também pregava em umbundu. Na mesma igreja, havia peças teatrais no período do Natal, organizadas pela Tia Angelina Mbangu, todas elas em umbundu. Ah, lembro-me claramente do dia em que o Tio Mussili veio de São Nicolau, onde tinha estado anos como preso político. Corremos para a casa da filha dele, a Mana Laurinda; a mãe e as Manas estavam a chorar de alegria. Fui logo para o colo do meu Tio que nos foi falando em umbundu. O homem que tanto admirávamos falava umbundu. Mesmo assim, faziam troça de mim, "o Sousa fala muito umbundu!"

(Pode ler a crónica integral "Epístolas do Ocidente" na edição nº 469 do Novo Jornal, nas bancas, ou em versão digital, que pode pagar via Multicaixa)