Ralph Miliband, por exemplo, defendia que "a própria transcendência do sistema na sua evolução para um sistema completamente diferente (e, escusado será dizer, muito melhor) constitui um elemento importante do ponto de vista pluralista das sociedades ocidentais". E argumentava com John Kenneth Galbraith quando este defendia a eficácia de um "poder controlador" do poder do capital privado, bem como pela intervenção e controlo estatais.

Nada mais falso. Nada mais manipulador. Nada mais enganador.

Assistíamos, isso sim, à organização de uma máquina desumana e destruidora, muito próxima das raízes do nazi-fascismo. E, com a rapidez acelerada com que os sistemas digitais se desenvolveram, o final das fronteiras quer geopolíticas quer económico-financeiras, os grandes negócios deixaram de se tornar públicos, notórios e visíveis.

Se acrescentarmos a estes factos a manipulação de milhões de pessoas a partir de televisões, agências de notícias, redes sociais, o consumismo extremado, a difusão massiva de uma cultura individualista e de um egoísmo que roça o macabro, temos um quadro que nos coloca hoje perante um facto, para já, consumado.

O grande capital, não tendo fronteiras, não tendo controlo, não estando submetido a regras políticas, jurídicas, éticas ou morais, depois de ultrapassar a fase da compra de políticos ou da colocação de pseudopolíticos em funções de grande responsabilidade, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, acaba por, no nosso tempo, tomar as rédeas do poder político um pouco por todo o lado.

Ora, sem valores, sem princípios, descontrolado e incontrolável por vontade própria, com a esmagadora maioria dos políticos profissionais de hoje a comerem da sua mão, estamos a assistir ao mais acabado e já agora grosseiro exemplo que alguma vez podíamos conceber: a presença de uma figura tenebrosa, ignorante, abjecta, funcionalmente analfabeta e desequilibrada sob todos os pontos de vista (psiquiatras franceses já estão a estudar hoje em dia essa figura execrável...) - Donald Trump como Presidente da ainda hoje considerada, sob muitos pontos de vista, a maior potência mundial, os Estados Unidos da América.

A desregulação financeira absoluta, o final do papel do Estado como elemento fundamental de toda a acção política, económica, social e cultural, o seu papel de travão dos excessos de quem, por via do poder financeiro, faz o que bem entende, sendo ao mesmo tempo responsável por inúmeras áreas socioeconómicas de qualquer país, a liberalização de licenças de porte de arma, leiam bem, até para doentes mentais (uma das últimas decisões deste delinquente que devia estar atrás das grades pelos sucessivos crimes que foi cometendo em toda a sua vida e que tem hoje em dia o botão nuclear à sua disposição), tudo isso é o limite do que podíamos, há alguns, aceitar como suficiente para uma reacção universal a esta ameaça que, num repente, se tornou no maior perigo para a Humanidade.

Para nós, que com alguma visão estratégica de desenvolvimento podemos ser, a médio prazo, um país que, nunca aceitando viver isolado, não tem necessidade absoluta dos préstimos da nova administração norte-americana, nem de qualquer outra de pendor aberta e decididamente fascizante (Israel, Turquia, entre outros), fica esta lição.

Mesmo numa situação de economia de mercado - um eufemismo para a assumpção da escolha de uma via capitalista de desenvolvimento - os mecanismos de contrapoder e de bloqueio têm de existir. Contra muitos dos excessos que vêm sendo cometidos por sociedades dirigidas não por políticos conscientes e sérios, mas por funcionários subalternos do grande poder financeiro que tenta a todo o custo dominar o mundo.

Os homens e as mulheres que criam riqueza devem ser livres de a criar. Submetendo-se, como todos, a regras, ordens, princípios e leis que fortaleçam o Estado como um todo, e não como propriedade privada de ninguém.

O tempo de Luís XIV e da noção de que "O Estado sou eu" passou à história há séculos, por mais que pareça renascer pelas decisões histéricas e fanáticas de um traste que conseguiu chegar à presidência dos Estados Unidos por via exactamente de quem perdeu totalmente a razão e as noções básicas do que é a essência da civilização humana.