Temos aqui um espectáculo em que Mugabe e os que estão à sua volta querem dar a impressão de vigor e vitalidade. A verdade é outra. Durante a entrevista, havia momentos em que o Presidente Mugabe falava em shona, uma língua que percebo minimamente; em shona, Mugabe mostra-se cheio de amargura, mesmo contra os seus rivais políticos que não existem.

O Presidente Mugabe não suporta a ideia de que possa haver, no Zimbabwe, alguém que não concorde com ele. Mugabe, que tem cerca de seis licenciaturas, sempre minimizou o seu rival, Morgan Tsivangirai, por não ter ido a uma faculdade. Chamou-o de "empregadozito".

Nas poucas vezes que passei pelo Zimbabwe, encontrei um país onde a diferença entre a retórica e a realidade é gritante. O Camarada Mugabe - como é chamado pela imprensa oficial e membros do partido no poder, ZANU - é um marxista radical que acredita na distribuição dos bens nacionais. Os seus próximos, como o empresário Phillip Chiangwa, não só são capitalistas - são empresários que dependem completamente do Estado para fazerem as suas fortunas.

Phillip Chiyangwa tem várias viaturas Rolls Royce e num programa de televisão mostrou as centenas de pares de sapatos (caríssimos, claro) que possui. No mesmo programa, vê-se a dificuldade que os zimbabweanos têm para enfrentar o seu quotidiano.

O Presidente Mugabe uma vez desprezou a diáspora zimbabweana dizendo que sobreviviam lavando os brancos, etc. A economia do Zimbabwe sobrevive em parte por causa das remessas da sua diáspora.

Mugabe nunca soube emular o exemplo de Mandela, que, a um certo momento, se retirou da política e tornou-se o símbolo de reconciliação no seu país. Logo depois da independência em 1980, Mugabe chamou a minoria branca e disse-lhe que iria precisar da sua ajuda para construir o país.

Por algum tempo vimos uma guerra intensa em que os guerrilheiros da ZAPU de Joshua Nkomo tentaram afirmar-se mas foram esmagados. Há alegações sérias de violações de direitos humanos na Matebeleland; tudo isto poderia ter passado para a história se Mugabe tivesse sabido transformar-se num estadista mais velho, como foi o caso de Kenneth Kaunda na Zâmbia.

Mugabe gosta muito de representar o papel do estadista mais velho no continente africano. Vimo-lo todos cair durante uma cerimónia pública. As fotos de Mugabe, a dormir na paz do Senhor, enquanto os outros estadistas discursavam, têm sido motivo de muitas risadas nas redes sociais. No Zimbabwe, houve até uma vez que a transmissão do presidente Mugabe teve que ser interrompida porque ele já tinha lido o mesmo discurso numa outra ocasião.

(Pode ler na íntegra este texto de opinião, da autoria de Sousa Jamba, na coluna "Epístolas do Ocidente, publicada na edição n.º472 do Novo Jornal, que pode assinar em formato digital e pagar no Multicaixa)