Não podem estar tão erradas assim as entidades internacionais ao apontarem que Angola é um dos países onde o mero exercício de manifestação ou de contestação, mais do que sistematicamente violado, faz de nós um Estado falhado, onde a Constituição é permanentemente ridicularizada perante tantos descasos, de entre os mais abomináveis o do Rufino, de 14 anos, morto por militares, sem que isso tivesse constituído um caso que a Justiça quisesse usar como um ponto de ruptura perante a sua até aqui actuação mais do que parcial.

Não pode ser igualmente compreensível nem tampouco tolerável que polícias assassinem civis numa situação de "alegada rixa" com fiéis religiosos, como foi o "caso Kalupeteka", e são julgados e condenados apenas os civis e nada se ouviu dizer até hoje sobre os agentes que assassinaram os civis.

Ou seja, começa-se a notar claramente aqui classes de crimes "por estatuto": os cometidos por polícias e militares, que passam despercebidos aos outros da lei e da Constituição; e os cometidos por civis, severa e exemplarmente repreendidos pelas forças da lei e diligentemente acompanhados e julgados pela Justiça "à luz da mesma Constituição"!

Vive-se uma espécie de faroeste à moda castrense, onde predominam, por um lado, os termos da lei e da Constituição para uma certa ala da sociedade e, por outro, um "princípio" de amnistia destinado a ilibar todos os crimes cometidos por polícias e militares, perante uma Constituição que é espezinhada, sempre que se anuncia a intenção de uma manifestação contra o Governo.

Perante tais casos e descasos, muitos deles patrocinados por análises enquadradas na mais "profunda interpretação" da lei por "juristas de serviços", fica-se com a impressão de que estamos perante um Estado declinado.

Quantas vezes não vimos juristas a levarem ao colo agentes da ordem por "heroicamente" pisotearem, espancarem e agredirem sem dó nem piedade jovens manifestantes?

Este último caso, em que as autoridades provinciais se limitaram a não responder à carta que lhes foi enviada a dar conta da intenção de manifestação, é tristemente constrangedor para Angola no plano internacional, porque serão depois estas mesmas imagens que circulam agora nas redes sociais que vão parar à banca de trabalho das organizações internacionais na hora da atribuição do canudo dos direitos humanos. E lá virá, uma vez mais, o Governo angolano queixar-se de conspiração.

(Poder ler este texto de opinião na íntegra na edição n.º472 do Novo Jornal, que pode assinar em formato digital e pagar no Multicaixa)