Utilizando uns e outros a mesma linguagem e os mesmos bisturis, lá como cá, amigos de ocasionais conveniências, empenharam-se em rapinar milhões e milhões. De euros de um lado, de dólares do outro.

Os rastos destes mestres na arte de manipulação financeira nunca os vimos. Ou eles pensavam que não deixavam rastos. Ou que nós, ingénuos, nunca haveríamos de saber onde estavam os restos. Porque os mestres deste lado do Atlântico, maquilhados com dentes postiços e babugem salivosa, sempre se apresentaram com garras bem afiadas.

Tudo em nome da segurança do Estado por parte de quem, empanturrado de dinheiro mas inseguro, não consegue desfrutar da liberdade que o cidadão comum, pobre mas digno, desfruta sem rabos-de-palha.

Agora, em missões do Estado, para a gente de primeira classe, só há lugar para voos em companhias privadas a partir dos quais, em muitos casos, gozando de impunidade financeira e de imunidade judicial, carradas de dinheiro passaram a ser transportadas para o estrangeiro em malas sem fundo amparadas por um tecto falso.

Os alçapões, cobertos com tapete oriental, foram agora traídos por uma erupção vulcânica mais ou menos previsível. E até por quem menos esperavam: o petróleo.

Esqueceram-se de que como alçapões já não têm a cotação bolsista que tinham no passado. Os seus armários têm as paredes interiores corroídas pela decadência moral e ética dos seus proprietários. E na bancada geral, a plateia já não suporta os esqueletos de quem não consegue abandonar a bicha e libertar-se da senha de acesso gratuito ao talho para devorar até ao tutano a carne de segunda.

Do outro lado Atlântico, tudo se resume a (in)fidelidades. Deste lado, os fiéis, de dia e de noite, são obrigados a escalar montanhas para obter o pão-nosso-de-cada-dia. Do outro lado do Atlântico, os (in)fiéis adoram rezar mas recusam confessar os seus pecados capitais. Deste lado, os (in)fiéis adoram mentir e emitir garantias bancárias rubricadas a lápis.

Desaparafusada uma peça do armário, a desblindagem do polvo pode vir a gerar o seu autodevoramento.

Os salões de festa, sumptuosamente decorados por especialistas importados de Itália, nunca deixaram de transpirar glamour, ele próprio também importado com isenção de impostos. À porta destes salões, um reclamo luminoso, que os distingue de desengonçados quintais de farras abertas, contém esta simpática advertência: "Reservado o direito de admissão".

Deste lado do Atlântico, não se consegue disfarçar a desajeitada e esforçada gentileza de damas caprichosamente vestidas por famosos estilistas franceses e italianos mas com cirurgias plásticas horripilantes. A sinfonia por aqui é projectada não pela orquestra do Wapossokoca, mas pela ópera de excelsos descobridores do Caminho Marítimo não para Índia mas para... o Dubai ou para as Ilhas Cayman.

É a ópera bufa de dinheiro encardido, que não encontra selha que o acolha para ser lavado e branqueado com sapupo e sabão. Os códigos de conduta dos nossos novos descobridores, ao desmembrarem-se facilmente como um baralho de cartas, não permitem o contacto com gente sem capacidade para exibir um cartão de crédito de platina. Gente que, nunca tendo ouvido falar na 5.ª avenida de Nova Iorque, se deslumbra hoje com a modernidade urbanística da 5.ª avenida do Cazenga. Gente que, nunca tendo ouvido falar em caviar, não merece mais do que a cesta básica!

(Leia o artigo de opinião de Gustavo Costa na íntegra na edição n.º473 do Novo Jornal, nas bancas, e também disponível em versão digital, que pode pagar por MultiCaixa)