À medida, porém, que a idade vai avançando, quando apanhados com a boca na botija, estimulados se calhar pelo efeito contagioso de delírios "lulanianos ou socráticos", temos a tendência para não sabermos de nada, de nunca termos visto nada e de nada, fora da lei, nos pertencer...

Da noite para o dia, como servidores públicos, não temos, porém, tido pejo em assumir o estatuto de endinheirados.

Só que ser endinheirado, perante as malhas da nossa (não) investigação judicial, não é o mesmo que ser rico. E ser endinheirado sem saber como justificar a origem do dinheiro tem estado a deixar completamente endoidecidos os nossos pobres endinheirados.

Nestas circunstâncias, para ocultar a origem do dinheiro, a mentira, contumaz, converte-se num vício que, ao fazer parte do nosso ADN, nos introduz no reino da psiquiatria e de lá nunca mais queremos sair.

A retaguarda é protegida por procuradores para isto e para aquilo, mas ninguém é capaz de investigar a forma como detentores de cargos políticos se apresentam hoje a concorrer com multimilionários sujeitos a rigorosas regras de compliance.

À medida que a idade vai avançando, os lapsos de memória tendem, na generalidade dos casos, a aumentar. Mas é claro que há sempre excepções à regra.

E o nosso próximo ex-Presidente da República revelou-se sempre um "animal político" com uma memória de elefante. Foi essa memória que lhe permitiu desmontar um ex-secretário do seu gabinete quando este lhe apresentou o rascunho de um discurso que, afinal, não passava de um plágio de uma intervenção de Fidel Castro...

O nosso actual Presidente nunca se esqueceu também dos estragos que os adversários de Angola provocaram aos interesses do poder político vigente no nosso país.

E, desse ponto de vista, sempre foi implacável contra quem ousasse pôr em causa a soberania de Angola. Em tempos, que não os actuais, Portugal que o diga.

Num estilo diferente mas perseguindo os mesmos objectivos que Agostinho Neto, com um estilete cirúrgico foi e tem sido exemplarmente implacável contra quem ousa atravessar-se-lhe no caminho, pondo em causa a sua liderança. Em tempos, que não os actuais, Ambrósio Lukoki e a equipa que esteve envolvida na famigerada cena do "quadro" que o digam...

Com uma frieza brutal, foi e tem sido igualmente implacável contra quem ouse pretender violar as suas fronteiras familiares.

A lista dos genuínos e desinteressados conselheiros e amigos desapareceu. Por lá, campeia agora uma corte de gente oportunista que, queixosa, nos óbitos, funerais e kombas, não se cansa de vociferar contra o homem mas que, à mesa do banquete, continua a besuntá-lo com hipócritas honrarias para poder continuar a ter acesso à manjedoura.

Com o avançar do tempo, se nalguns casos sobe de intensidade a perda de memória, noutros casos, tende a aumentar o nível das trapalhadas. Nem toda a gente, porém, tem perdas de memória.

Há, por isso, muita gente que não se esquece do "frete" que há alguns anos a SIC fez ao regime, enviando o seu correspondente num país - Israel - que no passado era apontado como o seu predilecto inimigo sionista - lembram-se? - para entrevistar o Presidente.

A mesma SIC que agora acaba por ser riscada do mapa da ZAP, naquela altura, afinal, dava jeito. Toda a gente se prostrou então diante do canal de Pinto Balsemão para acompanhar a entrevista e não me lembro, na altura, de ter ouvido vozes a içar a estafada bandeira da interferência da SIC nos assuntos internos de Angola. As perdas de memória têm destas faltas de lembrança...

(Leia este artigo de opinião de Gustavo Costa na íntegra na edição n.º475 do Novo Jornal, nas bancas, e também disponível em versão digital, que pode pagar por MultiCaixa)