Assisti às campanhas eleitorais, ao estado de espírito das populações e ao comportamento dos media antes, durante e depois das eleições e, como não podia deixar de ser, comparei-as a como se têm desenrolado as eleições "atípicas" no nosso país.

E fui à Constituição da República onde, no Capítulo IV (Organização do Poder do Estado) e Capítulo I (Princípios Gerais), Art.º 107 (Administração Eleitoral), n.º 1, se estabelece que "Os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração independentes cuja(s) estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos, nos termos da lei" e, no n.º2, que "O registo eleitoral é oficioso, obrigatório e permanente, nos termos da lei".

Mas como é que se introduz numa Constituição um conceito como o de "oficioso" para um acto tão importante como é o registo eleitoral?

É que em português, como em outros idiomas que falo e percebo, um acto oficioso, mesmo que produzido por órgãos ou fontes governamentais, não tem carácter oficial; então, como e porque é que deve ser "permanente e obrigatório"?

Por outro lado, nesse Artigo 107 da Constituição da República, a "Comissão Nacional Eleitoral" (CNE) não aparece como tal e, no seu lugar, instalam-se "órgãos de administração eleitoral independentes para organizar os processos eleitorais"? Que órgãos de administração são esses que não a CNE cujos "Objecto, Âmbito, Definição, Natureza, Competências" e outros itens estão claramente definidos na Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento da Comissão eleitoral, Lei 12/12, de 13 de Abril?

Alguns desses requisitos deveriam ter sido arrumados constitucionalmente em vez do tal Art.º 107, e não foi feito, julgo que intencionalmente. Será que as Comissões eleitorais provinciais, distritais e por aí abaixo são também "órgãos de administração eleitoral independentes" ou não será o Ministério da Administração do Território (MAT) o outro órgão de administração eleitoral, obviamente, dependente?

Pode ser, pois, segundo o que se pode inferir de um Acórdão do Tribunal Constitucional, o Chefe de Estado e do Executivo, qualquer auxiliar seu, os funcionários em geral, nós todos eleitores, somos "órgãos da administração eleitoral"; afinal somos e podemo-nos considerar membros da Comissão Nacional Eleitoral Independente ou não?

Então será por isso que o MAT tomou a si o "registo eleitoral oficioso" com o argumento de que isso deveria ser da sua competência e não da Comissão Nacional Eleitoral?

Ora, o que se está a passar neste momento no nosso país com o registo eleitoral, sob a alçada e responsabilidade de um auxiliar do Executivo (Ministro Bornito de Sousa), difere do que se verifica em muitos outros países de que tenho conhecimento, através da leitura de Constituições e da observação de diversos processos eleitorais: o registo eleitoral, a revisão e actualização dos cadernos eleitorais são da inteira e exclusiva responsabilidade da Comissão Eleitoral, assim como a realização, a condução e a conclusão de actos eleitorais, sejam eles para a Presidência da República, as Gerais e Autárquicas ou para eleições primárias alargadas em partidos que as realizem.

(Leia este artigo de opinião na íntegra na coluna "As minhas elucubrações", publicada na edição n.º475 do Novo Jornal, nas bancas, e também disponível em versão digital, que pode pagar no MultiCaixa)