As leis em democracia devem resultar duma decisão do órgão das leis, mas deveriam merecer uma discussão ampla nos vários foros, reuniões, órgãos de informação, e até em manifestações como esta, quando se quer exprimir mais espectacularmente opiniões mais sentidas.

Então, recorro ao Novo Jornal para participar no debate e dar as razões que me levam a apoiar a manifestação pública das mulheres Angolanas.

1. Numa república laica como almeja ser a nossa, o Estado não deve legislar para impor preceitos morais ou religiosos defendidos por apenas uma parte da população, mesmo que, eventualmente, seja maioritária. Fazê-lo é totalitarismo, e aconteceu na Idade Média quando a Igreja usou o poder de Estado para queimar os heréticos. A Igreja Católica e outras Igrejas devem ter total liberdade para defenderem a sua concepção de vida e de proibição do aborto (a propósito, deixem-na fazer chegar o sinal da sua rádio a todo o território nacional...) mas não lhes deve ser permitido impor as suas ideias como política nacional imposta pelo Estado.

O que o presente endurecimento da lei do aborto parece corresponder a cedências do Estado à CEAST, não se verificou, felizmente, no que respeita ao uso da camisinha como medida anticoncepcional e de prevenção do SIDA (se se fizesse cumprir a vontade dos Papas, o seu uso seria criminalizado em Angola).

Portanto, é intolerância e evidencia uma veleidade totalitária estar a tentar criminalizar os outros por agirem segundo uma concepção de vida que não é a da Igreja e de outras doutrinas vigentes. As Igrejas saberão sancionar os seus fiéis que prevariquem...mas respeitem os outros!

2. Mas não são só os círculos religiosos que estão na base desta iniciativa de retrocesso social: são os conservadores que não se adaptam às mudanças do mundo, incluindo o monopólio machista de tomada de decisões na família, que aparece a invocar práticas e costumes que remetem à mulher o papel passivo de lhes criar a descendência. Contudo, com a invenção da pílula e outros métodos anticoncepcionais, a procriação assistida para casais inférteis, a possibilidade de corrigir malformações congénitas do feto antes do parto, e tantos outros progressos, assistimos neste último meio século a progressos científicos que revolucionaram a vida reprodutiva e permitiram à mulher o controlo da sua fertilidade, portanto a sua autonomia como pessoa e como membro activo da sociedade.

As mulheres constituem hoje em todos os países uma força crescente de trabalho, e o seu importante papel de mães é, através deste domínio que vamos tendo sobre a natureza, conciliável com a sua contribuição social ao lado, não atrás dos homens. Mas isto ainda não é aceite pelos conservadores que invocam "as nossas tradições e modos de vida...".

(Leia a opinião do médico Luís Bernardino na íntegra na edição n.º475 do Novo Jornal, nas bancas e também disponível em formato digital, que pode pagar no MultiCaixa)