Apesar de salvaguardar que "é muito difícil saber o que irá acontecer em Agosto", nas eleições gerais, Justin Pearce considera que "não vão marcar nenhuma mudança de regime".

Para o investigador do Centro de Estudos Políticos Internacionais da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, se "é certo" que "o MPLA vai ganhar", não é menos certo antecipar que "os próximos anos vão ser muito interessantes em Angola".

Segundo o especialista, que partilhou a sua análise numa entrevista à agência Lusa, o partido no poder enfrenta um grande "desafio" em Luanda, devido a "um clima político mais aberto" e a "uma sociedade civil mais desenvolvida" do que nos escrutínios de 2008 e 2012.

Ao mesmo tempo, Justin Pearce antecipa um peso acrescido da CASA-CE no xadrez político nacional.

"Acho que a emergência da CASA-CE é um passo muito importante na vida política de Angola. É um primeiro passo para quebrar a lógica da guerra, que tem dominado a política angolana desde a independência", considera o investigador britânico, para quem "é muito significativo" que o líder da coligação seja Abel Chivukuvuku, antigo dirigente da UNITA, e um dos seus vice-presidentes seja André Gaspar Mendes de Carvalho, conhecido como almirante Miau, filho de Mendes de Carvalho, um dos fundadores do MPLA.

"Neste sentido, a CASA-CE representa a possibilidade de uma política verdadeiramente pós-guerra. Acho que, por exemplo, em Luanda pessoas que sempre foram do MPLA e que estão cansadas com a corrupção e má governação, nunca votariam na UNITA por razões históricas, mas podem olhar para a CASA-CE como uma possibilidade de escolha política", nota o analista britânico.

Menos convencido sobre o poder transformador de João Lourenço, Justin Pearce revela mesmo reticências sobre a eficiência da liderança de João Lourenço na mobilização do voto no MPLA.

"Neste momento é muito difícil prever as acções da presidência de João Lourenço. Mas acho que a autonomia dele vai ser limitada. A família Dos Santos, na pessoa de Isabel dos Santos, continuará a ter o controlo da economia, e irá manter muita influência sobre o futuro Presidente", prevê o investigador.

Prendas a sobas para encorajarem populações a votar MPLA

Justin Pearce antecipa ainda uma mudança de dinâmica nos trabalhos da Assembleia Nacional, a partir da saída de José Eduardo dos Santos.

"José Eduardo dos Santos nunca aceitou reivindicações de figuras dentro do MPLA. O debate foi sempre fraco. Isso também aconteceu com o Parlamento, que funcionou sempre como um carimbo [administrativo] dos actos do executivo. Na medida em que Dos Santos deixa de manter o controlo político dentro do partido, acho que isso vai encorajar debates mais férteis. Mesmo entre deputados do MPLA".

De acordo com o especialista, que enquanto jornalista, acompanhou, até ao seu doutoramento em 2015, a política sul-africana e angolana, as perspectivas de uma renovação alargada no poder em Angola estão a alimentar esperanças - junto de "algumas pessoas com conhecimento profundo da política angolana" - de que o país pode embarcar numa viragem política em 2022, com uma vitória de uma coligação da oposição.

Este cenário não conta contudo com o aval do investigador britânico, que se limita a reconhecer força aos argumentos que apontam para o enfraquecimento do MPLA sob a liderança de João Lourenço, num processo que muito dependerá também da saúde de José Eduardo dos Santos.

O especialista antevê igualmente um ressurgimento da UNITA no Planalto Central, "por razões históricas e porque o clima de medo está a aliviar", embora assinale que a opressão política por parte do MPLA nas zonas rurais" permaneça muito forte".

"Acho que nas eleições de 2008 e 2012 os sucessos do MPLA nas zonas rurais, nomeadamente no Planalto Central, podem ser atribuídos em grande parte à instrumentalização política dos sobas. Os activistas do MPLA antes de uma eleição não deixam de dar prendas aos sobas, seduzindo-os e levando-os a encorajar as populações a votar MPLA", aponta o autor de "A Guerra Civil em Angola 1975-2002".

O livro, cuja edição em português chega a Portugal neste fim-de-semana da Páscoa, é apontado como o primeiro estudo sobre a natureza e as manifestações de identidade política da população angolana durante o período de guerra civil, entre 1975 e 2002.