Vem isto a propósito das já célebres declarações referentes ao oxigénio que respiramos como elemento constituinte dos ganhos da paz e que nos deixam sem saber se rir ou se chorar. Porque, das três uma: ou o autor dessas palavras sofreu um lapsus linguae; ou resolveu gozar com todos nós ou, inconscientemente, acabou por expor ao ridículo não apenas as instituições governamentais, mas o próprio Presidente da República.

Que, tendo a seu crédito a criação das condições que nos permitiram alcançar a paz, manter a inviolabilidade do território, reforçar a unidade nacional e, olhando para toda esta África, não ter graves problemas raciais ou tribais, não tem rigorosamente nenhuma necessidade de ver um elemento da sua presumível confiança cair no ridículo e tornar uma brincadeira algo que pertence a um foro muito sério.

É preciso, como nos ensinavam os mais-velhos quando éramos crianças, algum tento na língua e procurar manter um perfil o mais sério, mais dignificante e mais à altura das funções que se ocupam, quando se fala para as populações. Nós não somos propriamente indigentes mentais para sermos invariavelmente atingidos com declarações que, em si mesmas, se tornam ridículas e inaceitáveis por parte de quem representa o Estado Angolano e o seu governo.

Haja algum bom senso, que parece perdido algures entre o não ter nada para dizer e a necessidade imperiosa de se agradecer não sabemos exactamente a quem. Fazer-nos passar por papalvos, isso é que não...

O que nos conduz (os sucessivos atestados que nos passam de falta de inteligência e de incapacidade de pensar) a outro tema, infelizmente também pouco simpático.

Acaba de ser lançado em Portugal um filme realizado por Jorge António, um já antigo e prestigiado cineasta português que se vem dedicando há várias décadas a Angola nas suas múltiplas vertentes. O filme é uma adaptação de um grande escritor angolano, Henrique Abranches, Os Senhores do Areal - provavelmente um dos dois ou três melhores romancistas angolanos de sempre, hoje acreditamos ser um ilustre desconhecido para a maioria das pessoas, coisa que não vamos trazer agora à liça.

A Ilha dos Cães, com a participação de actores angolanos, filmado entre Angola e S. Tomé e Príncipe, que está a ser um sucesso nas várias salas por onde vai sendo apresentando e que, em Portugal, na sua estreia, contou com a presença do Presidente e do Primeiro-Ministro portugueses.

Na terra que adoptou como sua e por cuja libertação lutou e combateu toda a sua vida, a memória de Henrique Abranches e a reacção de Jorge António - essencialmente dedicadas aos angolanos - são profanadas e as distribuidoras de cinema, em Luanda, recusaram-se a passar o filme.

Uma, a ZAP, responde que não tem disponibilidades de salas, quando, por muito que se compreenda a vertente comercial destas empresas, um filme angolano não possa nem deva entrar nas calculadoras. A outra remete-se ao silêncio.

Entretanto, e por outras vias, foi este jornal informado que a direcção da ZAP, em comentários não públicos, concluiu que "os angolanos não estão preparados para ver este filme".

Obviamente que temos a certeza de que o Ministério da Cultura e a própria administração da ZAP não saberão do que se passa. É urgente que o saibam. Ainda não nos foi informado oficialmente que a República não pertence aos angolanos, e uma decisão deste tipo coloca-nos na situação degradante de parecermos de novo uma colónia, em pleno século XXI, onde uma "cabecinha pensadora" entende e determina o que está ao nosso alcance poder ou não ver, ler, assistir, decidindo até em nome da nossa inteligência. Ninguém quer pôr cobro a isto?