Disse, percebe-se e está dito! Quem tenha sentido os efeitos da "mutilação genital" da palavra sente, como ninguém, como essa insanável ferida instala entre as suas vítimas uma espécie de assombração perante "o poder da palavra" e uma espécie de castração perante o direito de exercitarmos a liberdade de imprensa.

É um momento de dor única marcado pelo desmoronamento da palavra como um símbolo fascinante da liberdade criativa.

Mas com essa "mutilação genital da palavra", esse momento, cruel e fulminante, acaba por convocar "a palavra do poder" para uma luta fratricida contra "o poder da palavra". É o momento em que "o poder da palavra", reduzido à condição de uma entidade de inutilidade pública, se vê obrigado a render-se diante da "palavra do poder" como uma criatura analfabeta deambulando, atordoada, pelas ruas da ignorância...

A rendição, porém, é aparente. Porque a liberdade da palavra, como imbatível arma de arremesso contra as tiranias, tem sempre o poder de devolver às vítimas o direito de disporem do direito à palavra.

O uso da palavra não é, pois, apenas, uma questão de semântica; é uma questão de liberdade e é, também, um manifesto de coerência de todos quantos abraçam a sua beleza estética e se opõem à sua mutilação.

E é essa oposição à castração do "poder da palavra" que distingue as democracias das ditaduras. Essa oposição não é determinada por nenhuma religião, seita ou partido.

É uma oposição à repressão do direito da palavra exercer, livremente, também ela, o seu direito de cidadania. Ser, ela própria, independente de todos os poderes instituídos. E a palavra, por muito que isso custe aos poderes majestáticos, é, porventura, o único poder que não depende de ninguém.

(Leia a opinião de Gustavo Costa na íntegra na edição 481 do Novo Jornal, também disponível por assinatura digital, que pode pagar no Multicaixa)