Estes confrontos, que já percorreram praticamente toda a cidade de Caracas, duram há mais de um mês e resultam da profunda crise económica e social em que a Venezuela mergulhou em 2014, depois da quebra abrupta do preço do barril do petróleo, que é o motor económico do país, e que deixou as prateleiras dos supermercados vazias e as padarias com pão racionado.

Desde então, de acordo com diversas fontes, já terão morrido entre 20 e 50 pessoas nas ruas do país, e centenas foram parar aos hospitais, num ciclo de violência que não dá mostras de parar, apesar de o Presidente Nicolás Maduro já ter feito marcha atrás em algumas das mais polémicas decisões políticas, como as relacionadas com o esvaziamento de poderes do Parlamento, onde a oposição está em maioria, ou ainda na questão do salário mínimo, que já foi aumentado pelo menos duas vezes.

Integrados no início essencialmente por jovens descontentes, as gigantescas manifestações que estão a abalar os alicerces da revolução bolivariana de Hugo Chavez, e continuada por Maduro depois da morte do primeiro, apresentam cada vez mais grupos de todas as classes e idades, numa demonstração clara de que as acusações do regime em como estas estão a ser organizadas por um grupo pequeno de pessoas ligadas à oposição e aos EUA, tem pouco espaço para se impor.

A força do "cocktail puputov"

Na frente da batalha campal em que Caracas se transformou, os milhares de jovens estão agora, como relata a imprensa internacional que segue de perto a situação em Caracas, a recorrer a "armamento " de elevado potencial malcheiroso, os chamados "cocktail puputov", uma forma de glosar o conhecido e incendiário "cocktail molotov", produzidos a partir de fezes, que são arremessados contra as forças de segurança às centenas.

Em resposta a estes ataques de baixa letalidade mas de grande efeito psicológico para os narizes mais apurados, a polícia descarrega jactos de água sobre os manifestantes, bem como gás lacrimogéneo, o que levou Henrique Capriles, um dos lideres da oposição, a definir a acção policial como estando a ser uma "repressão selvagem".

Mas a letalidade observada nos protestos não resulta directamente da acção policial. A causa para as mortes em grande número está na acção das milícias chavistas armadas e organizadas para responder aos manifestantes que exigem a queda de Maduro, bem como à já confirmada presença de armas de fogo entre os manifestantes.

O que mais inquieta a comunidade internacional nomeadamente os países vizinhos, como o Brasil, é que esta escalada na utilização de armas nos confrontos possa conduzir a Venezuela a um estado de guerra civil de difícil contenção por causa dos ódios que crescem a cada dia que passa.

Capriles, citado pelos media internacionais, afirma que os confrontos na rua são a única saída para um povo que viu serem-lhe fechadas todas as portas da democracia.

Já o Presidente Maduro responde a esta sublevação popular com a activação de uma aliança cívica-militar para fortalecer a revolução bolivariana, explicando que a ideia é "definir os perfis e os mandatos constitucionais da união cívico-militar". O que é que isto significa, ao que relatam os media locais próximos da oposição, ainda não se sabe, mas é dado como certo que a Venezuela caminha para a imposição de um regime não-democrático.

A génese da crise

A Venezuela atravessa uma profunda crise económica que tem na incapacidade de importar alimentos um dos principais pilares. As populações menos abastadas passam horas para comprar bens essenciais e milhares já deixaram o país, atravessando as fronteiras para os países vizinhos nomeadamente o Brasil.

Com uma inflacção já nos 60 por cento e em modo galopante, com o país a braços com vagas de crime que a polícia não consegue controlar, assaltos e assassinatos diários e em elevado número, cada vez mais a população se divide entre os que apoiam o Governo e os que querem a sua queda.

O pano de fundo a esta crise é, como sucede um pouco por todo o mundo nos países dependentes das exportações de petróleo, a escassez de divisas para importar bens essenciais, a inflacção e o sector privado em clara "guerra" contra as imposições do Estado, sendo disso exemplo o facto de a norte-americana General Motors ter decidido abandonar o país depois de ter visto uma das suas fábricas nacionalizadas pelo Governo de Maduro.

Um dos factores que levou a que os privados se unissem quase sem excepção contra o Governo foi a aprovação de uma lei que impede margens de lucro acima de 30 por cento, com os militares a fazerem de fiscais, entrando nos estabelecimentos comerciais armados... A par disso, a corrupção galopa desenfreadamente

Até hoje, nenhuma das medidas de Maduro conseguiu debelar a crise e a razão, segundo o próprio é a intervenção dos Estados Unidos da América, afirmando o Presidente venezuelano que "há uma razão de carácter geopolítico na região. É a ascensão ao poder político, nos organismos-chave da administração norte-americana, da extrema direita, que usa métodos bélicos, golpistas, intervencionistas, como forma e 'modus operandi' no mundo" da Administração Trump.

Com o apoio dos EUA, segundo Maduro, a oposição no país, com Capriles à frente, "quer impedir a recuperação económica da Venezuela" através da influência directa na origem da violência.