Que rapidamente e em força largaram o "camarada" que impunham obrigatoriamente mesmo a quem não o fosse, adoptaram mesmo sem o serem o "doutor", a "excelência", dois dos assomos mais ridículos de quem dá por norma o passo maior que a perna. É sabido que quanto mais um ser humano tem a consciência plena do que sabe, mais modéstia ele adopta como comportamento, sabendo como sabe que não paramos de aprender até ao final das nossas vidas. Passou-se o mesmo com as religiões. De ateus impenitentes, foi só um pulinho até se tornarem beatos e beatas, já que tinham de arranjar alternativa rápida e eficiente para o marxismo que quase nunca conheceram nem estudaram.

Os anos passaram, seguimos para a furiosa e descontrolada acumulação primitiva do capital e eis-nos, com ou sem a graça de quaisquer deuses, numa crise como nunca a vivemos.

É verdade que as ideologias nunca desapareceram. Estiveram sempre presentes, como nos diz Daniel Innerarity, enquanto "relato de uma sociedade que determina a linguagem e o discurso, configura a submissão e estabelece padrões de conduta...". Estavam aparentemente, e só aparentemente, adormecidas, dada a suposta vitória esmagadora do capitalismo financeiro, renascendo à vista de todos afinal, logo após o esmagamento da Jugoslávia, a invasão ilegal e criminosa do Iraque e o 11 de Setembro, cuja história, aliás, continua muito mal contada.

E num repente, na mesma proporção em que foram desaparecendo os dirigentes de pelo menos duas gerações que eram comprometidos com os seus princípios, com os seus valores, com as suas ideias, eis-nos que somos confrontados com novos estilos de liderança. Que a partir de determinado momento adoptaram, em vez de um tom coloquial, pedagógico - comum a quem está seguro do que defende e do projecto de desenvolvimento multifacetado que pode ter para a nação angolana -, a retórica do nada dizer, do muito pouco fazer e da agressividade. Que, como bem sabemos, é a arma predilecta dos inseguros, dos que duvidam de si e dos outros, dos que, não tendo nada para oferecer como projecto, atiram para cima de nós a ousadia de pensar, de raciocinar, de opinar, como se de crimes se tratassem. Transformaram-nos rapidamente em inimigos, uma expressão que devia estar apenas nos livros de algumas das nossas memórias. Temo-los, é verdade, para é preciso inteligência e sagacidade para saber quem são.

A definição do que eram os "políticos", estendida a uma nova classe, que vive entre a política e o empresariado, começou a criar um distanciamento gigante entre os que detêm o poder e as populações (independentemente da sua origem e do seu estatuto, incluindo aqui os cidadãos que atingiram o nível do que se define normalmente como classe média). Grande parte destes políticos acabaram por se colocar numa situação em que encontram extremas dificuldades para justificar os seus privilégios, num momento em que vão desempenhando funções cada vez menos importantes ou para as quais, mesmo mantendo-as, não têm, não tiveram nem terão a mínima apetência. E atenção que não há grande diferença quando comparados com a esmagadora maioria dos políticos que integram a oposição. A falta de ideias, o desconhecimento, a ausência de um pensamento lógico e coerente e sobretudo a ausência de componentes essenciais na política (ideologia e cultura) são transversais ao poder e à oposição, salvo aquelas excepções que quase todos conhecemos e que acabam por confirmar a regra.

Há, pois, que fazer um esforço, e a não muito longo prazo, fazer uma triagem séria de quem integra a superstrutura ideológica deste país. Em mais este momento complicado que atravessamos, e do qual não vamos sair tão cedo, é urgente que se renovem as pessoas. Não renovar para que encontremos uma espécie de fotocópias, normalmente piores que os originais.