São mais de três mil os angolanos, hoje quase todos na casa dos 60 e 70 anos de idade, que habitam na cidade sul-africana de Pomfret, e, como relata a AFP em reportagem realizada junto destes homens, as condições são infra-humanas, sem água, luz ou saneamento, num limbo existencial.

Isto, porque estes milhares de homens aceitaram juntar-se ao esforço de guerra do "apartheid" contra os regimes comunistas da África Austral, incluindo, para além de Angola, a Namíbia ou a Zâmbia, tendo para o efeito criado um corpo militar de elite que denominou "Batalhão 32", um dos mais temidos à época no continente devido à sua coragem em combate.

Mas tudo mudou quando o regime do "apartheid" caiu em 1994 e o ANC, partido-irmão dos que governavam os países antes combatidos pelo regime sul-africano, subiu ao poder.

Com o desmembramento das SADF, forças de defesa sul-africanas, e o seu mítico "Batalhão 32" se desfez de igual modo, os seus membros, entre estes os mais de 3 000 angolanos que hoje habitam a insalubre cidade de Pomfret, foram esquecidos, terminaram os apoios e, com o passar dos anos, viram as suas vidas degradarem-se a ponto de hoje, como sublinha a reportagem da AFP, viverem na mais pura indigência.

Sem futuro e com um passado que não lhes proporciona nada de bom, estes homens enfrentam uma espécie de limbo existencial, enfrentando o desdém do seu país que os olha como traidores e do país de acolhimento, que os ignora e rejeita por se tratar de negros que estiveram ao serviço de um regime claramente racista como foi o "apartheid", entre 1948 e 1994.

Sem apoio médico, trabalho ou os serviços mais básicos, estes homens foram colocados numa cidade quase maldita, no Norte da África do Sul, em pleno deserto do Kalahari, abandonados à sua sorte, tendo-lhes sido cortada a água e a electricidade e sem possibilidade de abandonarem a região ou nela encontrarem emprego depois de ter sido encerrada a fábrica de amianto onde trabalhavam expondo-se ao perigo que hoje se sabe constituir este composto cancerígeno.

Nesta reportagem, um dos angolanos perdidos na cidade-fantasma do deserto do Kalahari, José Lourenço, de 69 anos, conta que o seu antigo "Batalhão 32" era "o melhor corpo militar do mundo", porque "não temia ninguém".

José Lourenço, como todos os outros, juntou-se a este batalhão em Angola, onde foi recrutado pelo regime do "apartheid" para combater o comunismo em África e, agora, pergunta ao actual Governo sul-africano: "O que é que fizemos de errado? Porque nos estão a castigar? Deviam explicar porque é que nos estão a fazer isto?!".

Mas o que Lourenço e os seus antigos companheiros de armas querem saber mesmo é porque é que o Governo de Pretória nunca cumpriu a promessa de os integrar nas Forças Armadas, de forma regular e com os mesmos direitos que todos os outros, depois de os deslocar para Pomfret com essa garantia.

Mas a única certeza é que isso dificilmente vai acontecer e que os tempos em que a cidade agora fantasma era uma cidade quase luxuosa, com piscinas, clubes de ténis, estardas asfaltadas, supermercados sempre abastecidos não vão voltar.

Hoje, José Lourenço habita uma das poucas casas que se mantêm de pé nesta cidade do deserto do Kalahari e pouco ou nada mais lhe resta que esperar que a morte apague da memória colectiva a época trágica que ele e os seus companheiros de armas ainda simbolizam...

Recorde-se que o "Batalhão 32" foi desmembrado oficialmente em 1993 e, depois disso, um número elevado dos seus membros, bem como as suas famílias, deixaram o local, nomeadamente os sul-africanos, tendo uma parte substancial dos angolanos ficado para trás por não terem para onde ir.

Mas muitos deles encontram-se nesta situação porque aceitaram receber cerca 30 mil dólares, aos valores actuais, para desistirem do direito de integrarem o exército sul-africano que estava ser reformulado depois da queda do regime do "apartheid".