A investigação das autoridades brasileiras e francesas a um esquema de comissões ilegais cobradas ao BNA por uma rede brasileira em nome da empresa gaulesa Oberthur Technologies, com a cumplicidade de agentes angolanos, coloca os ex-governadores José Pedro de Morais e Amadeu de Jesus Castelhano Maurício sob suspeita.

Em causa estão transferências bancárias que ligam os dois antigos homens fortes do banco central a duas empresas implicadas no esquema, ambas associadas ao brasileiro Valdomiro Minoru Dondo, principal visado nas investigações.

O empresário, que se projectou em Angola com a transportadora Macon, nega contudo qualquer envolvimento na fraude das comissões do BNA.

As cobranças ilegais incidiram sobre contratos firmados entre 2001 e 2012, para fornecimento de papel moeda ao banco central, e totalizaram 45 milhões de dólares, montante que nunca deveria ter saído do BNA mas que acabou nas contas de duas firmas de fachada ligadas a Minoru Dondo.

O caso foi desencadeado por iniciativa da justiça francesa que pediu ao Ministério Público do Brasil que investigasse, cooperação que colocou a Polícia Federal brasileira no encalço de Valdomiro Minoru Dondo.

As diligências, incluindo a execução de 12 mandados de busca e apreensão no Rio de Janeiro, em casas e escritórios ligados ao empresário, trouxeram à tona mais de 20 transferências bancárias em nome de José Pedro de Morais e Amadeu de Jesus Castelhano Maurício, avança o Jornal Extra, integrado no Grupo Globo.

De acordo com o Jornal Extra, "em 2003, José Pedro de Morais e Amadeu de Jesus Castelhano Maurício foram favorecidos com 21 remessas do Trade Link Bank (uma offshore nas Ilhas Cayman ligada a Dondo), procedentes do Brasil, no valor de 2,7 milhões de dólares".

Os documentos bancários citados pela imprensa brasileira indicam ainda que, entre 2003 e 2005, essa offshore fez 20 transferências no valor aproximado de 2,6 milhões de dólares para contas de Pedro de Morais entre 2003 e 2005.

"Os recursos saíram de uma conta do Trade Link, no Banco Standard, em Nova York, e seguiram até uma conta em nome de Morais no Banco Internacional de Crédito, em Lisboa", escreve o Jornal Extra.

A publicação explica que os extratos bancários consultados foram obtidos a partir da quebra do sigilo bancário da Trade Link nos Estados Unidos, durante as investigações sobre o escândalo do Mensalão - de pagamento de subornos a políticos para aprovação de leis.

Os movimentos financeiros ligados a Pedro de Morais e Castelhano Maurício já tinham sido noticiados pela imprensa brasileira em 2005 como suspeitos, embora sem qualquer associação a Minoru Dondo nem ao BNA.

Na altura, o então chefe da assessoria de imprensa do Ministério das Finanças, Bastos de Almeida, disse desconhecer as alegações, mas lembrou que, à luz da lei angolana, os administradores públicos poderiam receber comissões até 15% do valores dos negócios que ajudassem a concretizar, sublinhando que nem tudo deve ser visto como corrupção.

Agora, para além de repescar essas transferências, o Jornal Extra indica que a investigação francesa encontrou, nos extractos de 2009 da firma Montefiore Trading Corp, sediada no Panamá e beneficiária das comissões ilegais cobradas ao BNA, "uma transferência de 855 mil euros para Amadeu de Jesus Castelhano Maurício", governador do banco central que foi exonerado em Abril de 2009, a seu pedido.

"O depósito é datado de 2 de Junho de 2009. Segundo documento da Justiça francesa, "essa transferência poderia constituir uma retro-comissão e configurar o crime de corrupção de agente público estrangeiro"", noticia o Jornal Extra.

Por apurar permanece o eventual envolvimento de outros agentes públicos angolanos, para quem poderá ter sido canalizada uma parte dos fundos cobrados ao BNA, como contrapartida pela facilitação do negócio.

Carta anónima desencadeou investigação

O esquema agora exposto foi denunciado numa carta anónima enviada à Brigada de Repressão à Delinquência Económica de França, na qual foi anexada uma factura cobrada ao BNA pela empresa Security Printing Internacional, de Hong Kong, pelo fornecimento de papel moeda, serviço que era prestado pela firma francesa Oberthur Technologies.

Embora os primeiros indícios indicassem que a empresa gaulesa desconhecia a transacção, as investigações revelaram que a fraude implica alguns dos seus dirigentes, nomeadamente o luso-francês Victor de Souza Passos, já acusado de lavagem de dinheiro.

As perícias permitiram ainda associar as cobranças ilegais ao BNA à Oberthur Security International, que, apesar do nome, o único vínculo à Oberthur Technologies reside na presença, nos quadros directivos, de funcionários da empresa francesa.

"Para os investigadores, esses dirigentes da Oberthur teriam criado as duas empresas de fachada para intermediar relações com o Banco Nacional de Angola", assinala o Jornal Extra, acrescentando que esta descoberta permitiu chegar ao nome de Valdomiro Minoru Dondo, apontado nos testemunhos como parceiro do grupo Oberthur em Angola, a quem cabia obter o contrato com o banco central.

"O inquérito aponta que a empresa Montefiore Trading Corp, sediada no Panamá, recebeu depósitos da Security Printing e da Oberthur Security International, referentes às comissões do empresário" brasileiro, numa conta da qual é co-titular.

"Entre Agosto 2007 e Setembro 2011, essa conta recebeu 8,6 milhões de dólares, em nove transferências da Security Printing Internacional, e 37 milhões de dólares, em dez transferências da Oberthur Security International. Isto é, um total de 45,6 milhões de dólares em comissões", contabiliza a imprensa brasileira.