Arante Kivuvu e Francisco Mapanda (Dago) são dois activistas que viram a Covid-19 tirar-lhes os pequenos biscates, obrigando-os a vender cigarro e pacotinhos de whisky debaixo de uma pedonal no município de Viana, em Luanda.

Conhecidos pelo seu envolvimento no mediatizado processo dos «15+duas», os dois jovens intercalavam a venda de cigarro e whisky com a leitura, seguindo-se uma troca de ideias sobre o livro que cada um havia lido.

Sendo a pedonal da paragem da Robaldina, em Viana, um local muito frequentado, Arante Kivuvu e Francisco Mapanda concluíram, então, que eram uns "privilegiados" que liam e discutiam sobre coisas que já sabiam, pelo que tinham o dever de partilhar o saber.

Como sempre quiseram ter um projecto de incentivo à leitura, os dois jovens decidiram, como se diz na gíria, juntar fome com vontade de comer: recolheram as várias dezenas de livros que tinham em casa e criaram aquilo a que chamam de "biblioteca despadronizada".

Por isso, hoje, o ponto em que alguns transeuntes aproveitavam para fazer as necessidades menor e maior foi substituído pelas imagens de bancadas de livros diversos. O odor de urina e fezes deu lugar a perfume de livro usado. E de máscara na face, sentados sobre pneus velhos, jovens e crianças fixam os olhos nos livros que têm à mão, ignorando o tumulto resultante do vaivém de candongueiros e outros veículos que «aquecem» a Avenida Deolinda Rodrigues, vulgo Estrada de Catete.

É neste cenário que o pequeno Domingos Mitange, de 12 anos, aceitou interromper a leitura ao livro de banda desenhada Parada dos Kandengues, de Lito Silva, para explicar ao Novo Jornal como havia descoberto o espaço de leitura. E o resumo não podia ser mais simples: Mitange ia passando sobre a pedonal com uns amigos quando, sem querer, os seus olhos «tropeçaram» num cartaz com os dizeres "leitura grátis". Então, Domingos Mitange, que frequenta a 5.ª classe, decidiu «entrar» na denominada "biblioteca despadronizada".

Órfão de pai e o mais novo entre cinco irmãos, Mitange confessa que não tem livros em casa, daí que, no dia em que o Novo Jornal visitou o projecto criado pelos «revus», o pequeno já contabilizava a terceira visita.

Também de 12 anos, a pequena Márcia António, aluna da 7.ª classe, falou à reportagem do NJ enquanto se preparava para ler Rosa, minha irmã Rosa, livro da escritora portuguesa Alice Vieira.

Com a paralisação das aulas devido à Covid-19, Márcia, que é auxiliar da mãe na venda de sandes, tem aproveitado as horas mortas do comércio para dar um salto à «biblioteca» que fica mesmo ao lado da bancada onde a progenitora montou negócio.

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