Em 2019, o conjunto das economias subsaarianas cresceu 3,1 por cento, um dos mais altos crescimentos do mundo, e, para este ano, por causa dos efeitos devastadores da pandemia do novo coronavírus, em 2020 vai contrair 1,6%, de acordo com as estimativas dos peritos do FMI inseridas no documento.

Por detrás desta visão pessimista para o futuro imediato da sub-região onde está geograficamente inserida Angola, está a profunda quebra no valor das matérias-primas exportadas por algumas das mais importantes economias, como a angolana, a da Nigéria ou mesmo a da África do Sul, desde o petróleo aos diamantes, passando pelos minerais raros da RDC ou da agricultura sul-africana, sendo que todos os países de uma ou de outra forma estão a ser punidos pela inflexão da economia mundial provocada pela Covid-19.

Mas o FMI, neste documento, nota ainda que as economias africanas também estão a ser fustigadas pelas medidas de contenção da pandemia, com severas restrições à mobilidade - lockdown -, com o encerramento do seu tecido económico, desde logo o informal, ou até do encerramento das fronteiras que esbateu uma parte substancial do comércio regional de bens e serviços.

Sobre Angola, um dos mais afectados na sub-região, o FMI nota como preponderante para a sua aflitiva situação, a brutal redução no valor do barril de crude, que representa mais de 90% das suas exportações, o que está no centro das razões para uma estimada manutenção da recessão económica para 2020 de 1,4 %, quando antes da pandemia se estimava que fosse crescer estae ano 1,2%.

Ao mesmo tempo a Nigéria, pela mesma razão, cairá 3.4%, mas em sentido oposto a 2019, quando este país cresceu 2,2%.

A África do Sul, o país desta parte de África com a economia mais robusta e menos dependente da exportação de matérias-primas, vai, apesar disso, observar, aponta o Outlook do FMI para 2020, uma quebra significativa de 5,8%, em contraciclo evidente com o crescimento conseguido no ano passado, de 0,2%.

O mundo sofre golpe que lembra 1929

Para o mundo, estas previsões são ainda mais negativas para 2020, com o FMI a admitir que vai ser a pior crise desde o crash das bolsas e a grande depressão de 1929.

O Fundo está a prever uma contracção de 3% para 2020, em contraste com as expectativas anunciadas em Janeiro último, quando dizia esperar um crescimento de 3,3%.

Mas, para 2021, segundo o FMI, o sol voltará a brilhar com um crescimento de 5,8, que poderá, se se concretizar, minimizar as perdas desde ano, nomeadamente em matéria de desemprego e também no consumo de matérias-primas, como o petróleo, que poderá ser vital para a recuperação das regiões agora mais afectadas como a África subsaariana, embora, no plano global, apenas a China e alguns países limítrofes asiáticos sairão por cima desta situação, embora muito abaixo das previsões pré-pandémicas.

Os conselhos do Fundo

Para fazer face a esta situação globalmente pessimista e com um impacto continuado até que os efeitos da pandemia sejam obliterados, seja pelo surgimento de uma vacina, seja porque o mundo aprende a lidar com o vírus como forma de libertar as economias das suas garras afiadas, o FMI sublinha como fundamental o "fortalecimento da cooperação multilateral".

Enquanto ferramenta para triturar os efeitos da pandemia, a cooperação entre países passa, para o FMI, muito substancialmente pelo esforço exigido aos mais ricos para agirem de forma a aligeirarem os efeitos nos mais pobres, como é o caso do perdão de dívida, especialmente aos que lidam com ambos os males desta actual situação: a economia em queda e a pandemia a ganhar densidade.

Isto, sublinha o Fundo, passa objectivamente por apoiar os países com sistemas de saúde débeis, sem capacidade para adornar a pandemia que, no global, vai impor uma contracção de 3% em 2020, o que é um cenário muito pior que aquele a que o mundo assistiu após a crise de 2008.

Mas não é tudo. O FMI recorda que este cenário traçado pelos seus peritos tem como pano de fundo uma perda substancial de vigor da pandemia na segunda metade de 2020, e que, a não ocorrer, os efeitos na economia poderão ser ainda mais devastadores.

A luz no fundo do túnel do FMI é, apesar de tudo, brilhante, porque estima que, para 2021, com este solavanco em 2020, vai crescer quase 6% desde que, avisam os experts deste organismo global, o apoio dos mais abastados não falhe aos mais necessitados, sublinhado a réplica da OMS, que já disse ser fundamental não deixar bolsas da infecção em alguns cantos do mundo porque, se isso suceder, a pandemia vai voltar, mais cedo ou mais tarde.

E esse é um dos elementos que leva o FMI, neste seu Outlook, a afirmar que a evolução da economia global vai estar ligada à forma como evoluir a pandemia, o que torna todo o tipo de previsão muito melindrosa, sendo, por isso, fundamental garantir que a cooperação internacional não falha e que não são deixadas pontas soltas, porque a recuperação da confiança dos consumidores e dos mercados depende de não serem descurados quaisquer pormenores.

E o FMI não poupa palavras neste seu documento estratégico, sublinhando, por exemplo, que não vale a pena esconder que a economia mundial vai, como nunca, estar ligada a uma questão de saúde pública planetária e só voltará a ganhar vigor com a perda de viço do novo coronavírus, e que isso não pode ser conseguido se não for, efectivamente, debelado nos quatro cantos do mundo e não apenas nos mais abastados economicamente e tecnologicamente, porque, de outra, forma, os riscos de um desfecho ainda mais pesadamente negativo vão manter-se.

O mundo mudou - esta é uma crise nunca vista

Para o FMI não restam dúvidas: "o mundo mudou de forma dramática" em apenas três meses por causa da pandemia da Covid-19, sublinhando que noutros "outlooks" já tinham sido admitidos cenários em tese de pandemias e dos seus possíveis efeitos sobre a economia mundial, mas "nunca ninguém ousou colocar a actual realidade dentro de um cenário hipotético".

"Nunca qualquer um de nós foi capaz de prever este tipo de efeitos de uma pandemia na economia global, nem sequer a evolução da infecção, que, actualmente, em apenas alguns dias, apenas 100 doentes contagiam 10 mil, com tantas mortes tragicamente registadas", aponta este documento.

O Fundo não tem dúvidas de que "esta é uma crise como nenhuma outra", com um choque alargado, onde as perdas económicas surgem amarradas às próprias medidas de controlo da doença, despoletando novos ciclos de perdas económicas e assim sucessivamente num ciclo vicioso que ninguém consegue, com absolta clareza, dizer quando terminará.

E vai mais longe, comparado este cenário actual ao de uma guerra, onde todos sabem como começou mas ninguém sabe como vai acabar, sendo que, desta feita, tudo está a acontecer ao contrário das crises normais.

E dá um exemplo claro e de fácil compreensão: nas anteriores crises, os decisores políticos procuraram o mais possível incentivar os seus povos a voltarem a consumir e a reactivar as economias, mas nesta, as indicações são precisamente ao contrário, incentivando as pessoas a não saírem de casa, a não consumirem e, com isso, a provocarem a asfixia, de forma consciente, das suas economias.

Mas, e depois?

Na fase em que a pandemia estiver em claro retrocesso, em que o risco de contágio estiver claramente sob controlo, que política económicas aconselha o FMI?

"Assim que a epidemia se esbater e as medidas de contenção forem levantadas, o foco das políticas económicas deve ser redireccionado para ao fomento da recuperação e do crescimento, com a definição de medidas que permitam um contexto em que as dívidas excessivas não vão sobrecarregar o potencial de recuperação das economias nacionais e regionais.

Para isso, são, garante o FMI, "exigidos esforços de âmbito nacional e o fortalecimento da cooperação internacional, porque a incerteza sobre quando a normalidade vai regressar ainda é muito grande".

Os desafios serão diferentes, mas, nota o documento, "o que se exige aos decisores políticos para essa fase de recuperação da actividade económica não é mais fácil que aquilo que deles se exigiu na tomada de medidas contra a pandemia".

Para evitar a subsistência do medo social, que pode levar as pessoas a manter o confinamento social mesmo depois deste ter sido levantado pelos Governos, o FMI propõe que as medidas mais drásticas sejam retiradas de forma gradual e com informação permanente sobre aquilo que está a ser feito, o que deverá permitir a retoma da confiança no acesso aos locais de maior afluência, sejam mercados de rua ou os grandes "shoppings" urbanos.

"Uma comunicação clara e eficaz sobre o estado da pandemia, do seu retrocesso medido em novas infecções, será essencial nesse esforço", avança este Outlook, que recorda ainda a importância de manter os estímulos financeiros e fiscais para consolidar o recobro.

O FMI entende ainda que os subsídios ao emprego "podem continuar a ser necessários, como componente central da estratégia fiscal para encorajar as empresas a contratar novos funcionários".

E, entre um vasto leque de medidas preconizadas pelo Fundo, estão as tradicionais ferramentas de controlo da inflação, especialmente naqueles países, como é o caso da maior parte dos africanos, onde a disrupção das cadeias de abastecimento foram evidentes durante o avanço da pandemia, como, note-se, ainda é o caso porque a Covid-19 está longe de estar sob controlo e em alguns países está claramente a crescer, como é o caso dos Estados Unidos, ou está em forte consolidação, como ocorre na Europa.