A notícia de que o Governo pediu apoio ao Fundo Monetário Internacional para a aplicação das medidas económicas mais severas contidas no seu Programa de Estabilidade Macroeconómica (PEM), anunciado no início deste ano, chegou na quarta-feira, 18, quando ainda decorriam, em Washington (EUA), as reuniões de Primavera de Breton Woods, que juntaram ao FMI o Banco Mundial, as duas instituições internacionais mais famosas pelas intervenções em situações de crises económicas graves, e nas quais participaram o ministro das Finanças e o governador do Banco Nacional de Angola.

Esta intervenção do FMI, que não contempla empréstimos financeiros, tem como razão a crise económica que o país atravessa desde meados de 2014, com a queda abrupta do preço do petróleo, - que representa 95 por cento das exportações nacionais.

Logo depois, o FMI divulgava, em comunicado, que a ajuda a conceder a Angola, por pedido do Governo de Luanda, tem a mesma exigência e segue as mesmas regras aplicáveis às situações onde o apoio contempla a assistência financeira.

"Embora não envolva o uso de recursos do FMI, exige-se que as políticas apoiadas no âmbito do Instrumento de Coordenação de Políticas (PCI, na sigla em inglês) atinjam o mesmo padrão que se impõe às políticas no âmbito de um acordo de empréstimo do Fundo", dizia o subdiretor-geral do FMI na mesma nota.

Carlos Rosado de Carvalho considera que Angola deveria ter pedido a ajuda ao Fundo Internacional logo em 2014/2015, e defende que, "independentemente de Angola precisar de dinheiro ou não, deveria - e há programas para isso - fazer uma espécie de conta corrente com o FMI: era dinheiro que estaria disponível e a que o país poderia recorrer em caso de necessidade".

"Se o tivéssemos feito nessa altura (2014/2015), teríamos a vantagem de o ter feito numa situação mais confortável, só que não se fez. Em 2016, quando se apanhou o susto da descida do petróleo ainda se pediu, mas depois desistiu-se por razões de natureza política", refere o economista.

No entanto, o director do jornal económico Expansão afirma que este programa, embora não envolva dinheiro, tem uma vantagem: "Existe o compromisso de Angola de aplicar o Plano de Estabilização. Esse plano, do meu ponto de vista, está bem feito. Aliás, terá mesmo sido feito já com o apoio do FMI, portanto, no essencial, não tem medidas muito diferentes daquelas que o FMI proporia para o país. Eu imagino que, sobretudo no caso da desvalorização da moeda, o Fundo, provavelmente, exigiria um pouco mais do que aquilo que Angola se propõe fazer".

Para Carlos Rosado, este programa, que prevê avaliações periódicas - normalmente, as avaliações do FMI são de seis em seis meses - "será uma espécie de carta de conforto para os mercados internacionais e também para os credores internacionais".

"Pelo menos de seis em seis meses - pode ser menos - virá uma missão do Fundo Monetário a Angola e fará uma avaliação da aplicação do Programa de Estabilização. Isto é, os credores ficarão a saber que Angola tem um Plano de Estabilização e que esse plano está a ser monitorado pelo FMI", afirma.

"Se, por exemplo, o FMI tem de fazer uma avaliação e por uma ou outra razão o Governo não quer que se faça essa avaliação, o FMI vai-se embora. E, caso isso aconteça, há grandes implicações ao nível da credibilidade do Governo angolano", acrescenta.

O economista refere ainda que "para além da credibilidade a nível internacional, também é bom internamente, por causa da transparência".

"A transparência em Angola, tal como a vemos hoje, a pouca que existe, deve-se à passagem do FMI, em 2008/2009. Nós não tínhamos relatórios do Banco Nacional nem da Sonangol. Só a partir daí é que nós passámos a ter relatórios. A transparência é fundamental. As contas públicas serão todas escrutinadas, e mais do que isso, serão públicas", diz.

"O Governo aceitou pôr a cabeça no cepo"

Ao pedir apoio ao FMI, o Governo aceita as condições do Fundo, diz Carlos Rosado. E defende que, até por isso, "o país deveria pedir dinheiro e não apenas apoio".

"O Fundo Monetário Internacional, normalmente, e sobretudo na América Latina, é muito mal visto, por causa dos programas que impõe, que têm implicações do ponto de vista social. Mas no caso de Angola até tem acontecido o contrário, de alguma maneira, pois o FMI tem insistido, afincadamente, com o Governo, no sentido de criar programas de apoio às populações mais vulneráveis", declara. E acrescenta: "Foi o que aconteceu com a emanação do subsídio aos combustíveis: aí houve apoio técnico, veio uma missão do Fundo a Angola, e uma das coisas que o Fundo disse foi que o Governo devia fazer transferências directas para as populações mais vulneráveis, que seriam as mais afectadas. O Governo até agora não fez nada, com a desculpa de não querer ser assistencialista, portanto, em Angola, nós vemos o FMI com mais preocupações sociais do que o próprio Governo angolano".

"E depois há outra coisa, as medidas que o FMI eventualmente quereria aplicar, o Governo já as tem previstas no Plano de Estabilização, nomeadamente na função pública", acrescenta o economista, que, no entanto, deixa um aviso:

"É preciso dizer que, antes de melhorar, isto vai piorar, porque, as medidas são inevitáveis. Mas é preciso que se coloque esta questão: se estas medidas tivessem sido adoptadas a partir de 2009, quando o Fundo sugeriu que assim fosse, nós, em 2018, já não estaríamos nesta situação. E, se calhar, teríamos feito o ajustamento quando o preço do petróleo ainda estava alto. Mas isso infelizmente não aconteceu".

O director do Expansão fundamenta, afirmando que "os problemas que existem e que precisam de solução, como algumas reformas inevitáveis, têm de ser enfrentados, com Fundo ou sem Fundo. O FMI garante mais transparência, divulgando as avaliações que faz".

"Caso este acordo se materialize, nós vamos saber, a cada seis meses, qual é a evolução da economia angolana. Isso são coisas muito detalhadas", adita.

Na opinião do director do jornal económico, o Governo tem o problema de comunicar que está a pedir apoio financeiro:

"Esse é o problema que o Governo tem, agora a mim faz-me confusão que tenha essa dificuldade, mas não tenha problema em comunicar que quer reestruturar a dívida. Mesmo que seja apenas nos prazos".

E acrescenta: "Não sei qual é o problema do Governo em fazer um acordo com o FMI que envolva apoio financeiro, até porque normalmente os financiamentos do FMI têm condições muito mais favoráveis, até nas taxas de juro, do que os outros, e mais uma vez temos aqui uma coisa adicional: é que os empréstimos do FMI implicam condições muito exactas, a cada seis meses saberíamos o que é que o Governo pagou, saberíamos qual é a taxa de juro, saberíamos rigorosamente tudo".

Por último, Carlos Rosado de Carvalho, que explica que há um programa, "que é aquele que o FMI queria disponibilizar a Angola em 2016, que poderia proporcionar ao país entre 4 mil e 5 mil milhões de dólares, isto é, um Fundo Soberano", diz que só consegue explicar a recusa do Governo em pedir apoio financeiro ao Fundo Monetário Internacional, "como sendo orgulho e receio de natureza política de passar essa imagem, a nível interno, não externo, porque a nível do exterior é muito mais problemático nós dizermos que queremos reestruturar a dívida do que pedir apoio financeiro ao FMI".