Esta segunda-feira não começou da melhor maneira para os países, como é o caso de Angola, que dependem em grande medida das suas exportações de petróleo para revigorar as suas economias fragilizadas por meses de perda de receitas devido à crise económica que surgiu no rasto da pandemia da Covid-19 que retirou, para já, 30 milhões de barris por dia (mbpd) à procura, passando de quase 100 mbpd para 70 mbpd.

O Brent londrino, que determina o valor médio das exportações angolanas, abriu hoje em baixa nos contractos futuros referentes a Junho, mostrando o gráfico que por perto das 09:30 o barril valia 25,79 USD, menos 2,46% que no encerramento de sexta-feira, e o WTI de Nova Iorque, que mostra o que vale o crude consumido nos EUA, a maior economia global, que em Abril andou pelas ruas da amargura, chegando mesmo a valer 40 dólares negativos nos contractos de Maio, estava hoje, à mesma hora de Luanda, a desvalorizar 7 por cento, para os 18,45 USD por barril.

Esta quebra no vigor da matéria-prima, depois de na semana passada ter saído de um sono de urso com a fúria de um touro enraivecido, deve-se, segundo os analistas ouvidos hoje pelas agências e pelos sites especializados, à desconfiança de que o excesso de oferta de crude nos mercados se vai manter apesar de a 01 de Maio ter iniciado o plano de cortes de 10 mbpd da OPEP+, a organização que junta os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia neste esforço de tirar o sector do pântano em que está desde 2014, com escassos momentos de alívio.

Subjacente a isto está a matemática simples dos factos: a crise pandémica retirou 30 mbpd à procura pré-pandémica de 100 mbpd e os 10 mbpd enxugados pelo "cartel" deixam ainda um excesso de oferta de 20 mbpd que os países consumidores não têm como queimar nem onde armazenar.

Mas, para além da evidência de que estas contas não estão a ser alteradas pela realidade das grandes economias, há ainda outro factor que está a impor-se, de novo, como contravapor: as duas maiores economias e os dois maiores consumidores de crude do planeta voltam a mostrar os dentes uma à outra.

A China e os EUA, depois de a guerra comercial que andou a atrasar a recuperação económica entre 2018 e 2019, estão agora de costas voltadas por causa das acusações do Presidente norte-americano de que Pequim está pode detrás da criação, alegadamente em laboratório localizado em Wuhan, a cidade onde teve início a pandemia, do vírus da Covid-19, acusação que a China refuta e o mundo, como o tem afirmado a Organização Mundial de Saúde, não acompanha.

Donald Trump, por causa do avolumar de mortes e casos nos EUA, tem procurado acusar a China e a OMS de serem responsáveis pela expansão do coronavírus pelo mundo, quando está a ser acusado em todas as frentes de ter sido ele o causador desse alastramento ao desvalorizar a doença desde o início, bem como da falta de capacidade de resposta do sistema de saúde norte-americano.

Perante este cenário, o optimismo que os mercados mostraram na passada semana está agora em claro fade out e o medo de um novo ciclo de quedas pode estar a recomeçar, especialmente com o simultâneo crescimento do dólar dos EUA face às restantes moedas, o que faz com que, por exemplo, para as outras grandes economias, como a chinesa ou a indiana, cada barril esteja agora mais caro porque a matéria-prima ainda é transaccionada em dólares em todos os mercados mais importantes.

Mas, calma, porque nem tudo são más notícias, aparentemente...

Apesar de os números não serem bons neste momento, há alguns dados que não se alteraram desde a passada semana, como sejam a paulatina reabertura das economias nos EUA - nalguns estados esse processo está em curso com maior vigor - e na Europa, sendo que na China esse processo já está bastante mais avançado, devido ao quase total sucesso no combate à pandemia.

A gradual diminuição nos números de casos - apesar das excepções nos EUA e na Rússia -, é um sinal de lento mas sólido regresso à normalidade, embora os últimos dados sobre a produção industrial na Europa, com o foco na Alemanha, Itália e França, estejam a trazer novas preocupações, o que poderá vir a influir negativamente no Brent, que é o mercado onde a produção nacional de crude é valorizada ou enfraquecida.

As notícias menos severas para os países exportadores e com as economias mais fustigadas pelas sucessivas crises, que em África atingiram com maior gravidade Angola - a consultora sul-africana EXX Africa diz mesmo que pode ocorrer um default angolano devido à dependência do crude - e a Nigéria, são o facto de o sector alternativo do fracking, ou petróleo de xisto, nos EUA, estar em claro processo de extinção, com centenas de unidades de produção a encerrar diariamente devido ao facto de os custos de produção serem actualmente muito superiores ao que o mercado paga por cada barril.

E isso vai levar, inevitavelmente, os EUA a deixarem de ser um país exportador, estatuto que conseguiu graças ao fracking, para voltar a ser importador, retirando centenas de milhares de barris da oferta.

Por outro lado, embora podendo ser um pau de dois bicos para Angola, como sucedeu em 2014, os efeitos da crise vão levar as multinacionais a desinvestir tanto na produção como na pesquisa, o que no médio prazo vai conduzir a umreequilíbrio dos mercados.

Se este cenário não se vier a confirmar, o que só poderá suceder caso seja rapidamente descoberta uma vacina ou um medicamento eficaz para a Covid-19, em alguns meses a produção vai começar a declinar, especialmente nos países com maior breakeven e distância entre o local de produção e as grandes economias consumidoras, como é caso de Angola, mas também de países como a Nigéria, sendo a vantagem especialmente para os produtores do Médio Oriente, com custos de produção e de transporte substancialmente mais baixos.

E essa é a razão pela qual um dos grande oráculos do mercado, como é a Goldman Sachs, estima que 2021 vá ser um ano de fortes ganhos no valor do barril e, como nota a Reuters, o Wall Street bank tenha aumentado a sua previsão do valor do barril para o próximo ano de 52,20 USD para 55,63 dólares, o Brent, e de 48,50 para 51,38 no WTI.

No mesmo diapasão, Cyril Widdershoven, um dos mais antigos analistas de mercados energéticos, no site OilPrice, defende que a descida do investimento para quase zero nestes últimos meses vai conduzir a um declínio na produção que pode ir até 12% ao ano.

Ou seja, sem investimento na pesquisa, a produção está comprometida, porque, como recorda este analista e estratega, existem no mundo cerca de 70 mil campos petrolíferos, sendo que um quarto (1/4) da produção mundial está concentrada em apenas 25 destes e 100 são responsáveis por metade da produção mundial de quase 100 milhões de barris por dia.

A questão, nota Widdershoven, é que a esmagadora maior parte destes campos maiores estão à beira da exaustão e já passaram a sua capacidade máxima de produção, sendo que é igualmente sabido no meio que os restantes vão entrar muito em breve na sua fase de declínio, o que vai provocar uma alteração muito importante na capacidade da oferta mundial.

Há ainda o facto de, como, por exemplo, lembrava a petrolífera nacional, Sonangol, em 2017, desde a segunda metade da década de 1940 que em todo o mundo não se investia tão pouco na pesquisa por novas jazidas de ouro negro, o que agora poderá voltar a suceder no rasto desta crise que retirou à procura bastante mais e mais depressa que a crise de 2014.

Este contexto pode, no entanto, conter um problema, que é, se por um lado, levará ao aumento do valor do barril por causa da diminuição da produção, por outro pode conduzir a uma perda de investimento em Angola, que, como se sabe, tem vindo a observar uma diminuição da produção a ponto de a Agência Internacional de Energia (AIE), por estas razões, estimar que em 2023 o país esteja apenas a extrair 1,29 mbpd, contrastando com os actuais pouco mais de 1,4 mbpd.