Com dois dos três maiores produtores mundiais juntos, Arábia Saudita (1º) e Rússia (3º), a, como noticiou recentemente o The Wall Street Journal, negociar a criação de uma organização que agregue os membros da OPEP, que inclui, desde 1997, Angola, liderada de facto por Riade, e a Rússia, à frente do grupo que desde finais de 2016 uniu forças ao "cartel", na denominada OPEP+, para reequilibrar o mercado petrolífero, os EUA, apesar de ocuparem o 2º lugar no topo dos maiores produtores mundiais, poderão ver diminuir drasticamente o seu poder de influência para manter os preços do barril baixos.

Com o cenário de criação de uma aliança formal entre sauditas e russos numa nova organização global de produtores, que, se assim suceder, passará a controlar mais de 40% do crude produzido diariamente em todo o mundo, e depois de a Arábia Saudita se ter rebelado contra a influência dos EUA na sua produção - como aconteceu em Junho de 2018, quando Trump conseguiu convencer o Governo de Riade a aumentar fortemente a produção, mais de 1 milhão de barris por dia (mbpd), contra a vontade dos restantes membros da OPEP, para lhe garantir crude barato em tempo de campanha eleitoral -, a Washington só resta encontrar uma fonte alternativa para inundar o mercado de petróleo e, assim, manter o preço do barril em valores "apropriados" à sua economia e ao gosto dos consumidores norte-americanos, com destaque para a gasolina barata.

E que alternativa pode ser essa? A Arábia Saudita está há anos muito perto do seu potencial máximo de produção, e, face a uma crise económica severa, não deverá permitir novas intrusões norte-americanas na sua política extractiva; o Irão é o "diabo" para Washington; os produtores africanos, Angola e Nigéria, desgastados nas suas infra-estruturas por uma longa crise de preços baixos, que vinga desde 2014, estão sem capacidade para poderem ocupar esse papel...

Resta a Venezuela - membro da OPEP -, com as suas gigantescas reservas, que, dependendo das fontes, podem ser entre 75.000.000 e os 300.000.000 de barris, sendo que em qualquer um dos casos, são as maiores do mundo, e o país produz hoje cerca de um décimo daquilo que produzia há uma década, desgastado por uma forte crise política, com uma economia de rastos e com as infra-estruturas extractivas da petrolífera nacional PDVSA a cair aos bocados.

Mas, com um regime de esquerda, com poucas simpatias pelo "imperialismo gringo", liderado por um Nicolás Maduro que se afirma anti-norte-americano, será difícil a Washington e a Trump poderem usar as enormes reservas venezuelanas como ferramenta de pressão sobre os mercados.

A não ser que, como está a acontecer actualmente, ocorra uma mudança de regime em Caracas, claramente impulsionada por Washington, com o Vice-Presidente Mike Pence, no início do plano a declarar o apoio do seu país à auto-proclamação de Juan Guaidó, Presidente da Assembleia Nacional, como Presidente interino da Venezuela, e um claro e assumido "amigo" da "América" de Donald Trump - este admitiu mesmo uma intervenção militar para afastar Maduro -, a quem se juntaram a União Europeia e os países do Grupo de Lima, que conta com 11 membros, incluindo o Brasil e o Canadá.

Para já, Maduro resiste com o apoio da China e da Rússia na primeira linha, mas também de Cuba, da Turquia e do México, logo atrás.

Da OPEP a uma coisa nova

Alguns analistas admitem que a pressa mostrada pelos EUA em arrancar Nicolás Maduro da cadeira do poder em Caracas tem a ver, precisamente, com as notícias recentes de que Moscovo e Riade estão a negociar a criação de uma organização global de produtores de petróleo que substitua a OPEP e a OPEP+, depois do sucesso alcançado nas duas rondas negociais - desde finais de 2016 - para fazer subir o valor do barril de crude nos mercados internacionais.

Em 2018, os ministros da Energia saudita e russo, Khalid al-Falih e Aleksander Novak, chegaram a admitir uma espécie de organismo ad hoc que agregasse os actuais membros da OPEP e os países que se juntaram a esta em Novembro de 2016 para negociar um corte drástico na produção para fazer os preços, extremamente baixos à época, subirem.

Por detrás desta lógica de complexa aplicação está algo bastante simples: juntos, estes países dominam de forma cabal a produção mundial - mais de 40% -, deixando os EUA, que, apesar dos seus quase 11 mbpd, um máximo histórico, fortemente sustentado pela aposta recente no aumento da produção tradicional, onshore e offshore, e no fracking (petróleo de xisto), sem capacidade de influenciar a produção, especialmente agora que tanto Moscovo como Riade já deram sinais claros de que não estão disponíveis para satisfazer os caprichos norte-americanos, como aconteceu no ano passado.

Esta questão é ainda importante para os EUA, que travam há longos meses uma brutal guerra comercial com a China e precisam de petróleo barato para alimentar, para além de combustíveis baratos, uma indústria pesada essencial no combate com Pequim no universo das taxas alfandegárias, etc.

Importância essa que levou Donald Trump, em Junho do ano passado, a usar a morte do jornalista saudita Jamal Khashoggi, no consulado saudita em Istambul, Turquia, por causa dos indícios de ligação entre o crime e o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, a chantagear de forma clara o regime da Arábia Saudita, o que o levou a conseguir que Riade cedesse a ponto de aumentar a sua produção unilateralmente, sem negociar com os restantes membros da OPEP+, em 1 mbpd, o que conduziu a uma forte queda do preço do barril.

Esta baixa do valor do crude fez vítimas em todos os produtores, com severo impacto em países como Angola, mas também a própria Arábia Saudita, que se debate há vários anos com um enorme défice público por causa da sua petrodependência económica.

Esse movimento de cedência a Donald Trump parece, todavia, servido de vacina aos sauditas que, depois de passar a pressão mais intensa por causa da morte de Khashoggi, voltou à mesa das negociações com a OPEP+ e anunciou um corte dramática na sua produção.

Isso levou a uma clara recuperação do barril, de menos de 50 USD para os actuais 62 dólares, mas ainda não foi suficiente para as petroeconomias, entre estas a angolana que, como se sabe, elaborou, por exemplo, o seu OGE para 2019 com base no barril a 68 USD, obrigando o Executivo a admitir uma revisão nos primeiros meses do ano.

Face a isto tudo, uma coisa é sabia entre os países da OPEP+: os EUA vão fazer o que estiver ao seu alcance para baralhar as contas de russos e sauditas e chegar ao controlo ou influenciar de forma decisiva a exploração das enormes reservas venezuelanas é uma possibilidade que não será descorada. Mas, para isso, vai ser necessário "tratar" do regime de Maduro...

Angola, país fortemente interessado em estabilizar o preço do barril acima dos 70 USD, devido à sua ainda clara dependência das exportações desta matéria-prima, responsável por mais de 90% do que o país vende no exterior, e se a economia se afirmar sobre eventuais corredores diplomáticos, uma nova organização de produtores de petróleo poderá ser vista com bons olhos, mas não existem posições públicas sobre esta questão por parte das autoridades nacionais.