Com o acelerado ritmo do sobe e desce da montanha russa em que se transformou o negócio global do crude, já parece muito longe o período em que o barril chegou a valer 40 USD negativos no WTI, a 20 de Abril, sendo essa aterradora segunda-feira a referência simbólica para a mais grave crise que se abateu sobre o sector em muitas décadas, e nalgumas condições, como nunca tinha sucedido em quase 200 anos desta indústria.

Mas, já então estavam lançadas as escadas para chegar a uma solução para este pesadelo que se abateu sobre os países produtores com as economias mais fragilizadas, como Angola ou a Nigéria, e também sobre a indústria de fracking, ou petróleo de xisto, nos EUA, devido ao seu elevado breakeven: o acordo para cortar 10 milhões de barris por dia (mbpd) alcançado pela OPEP+, organização que junta os Países Exportadores (OPEP) e um grupo de 11 produtores, liderados pela Rússia, conseguido ainda em Abril.

Se os mercados não reagiram de imediato, foram-no fazendo lentamente, impulsionados pelos sinais dados pelas grandes economias de aligeiramento das medidas tomadas em todo o mundo para controlar o avanço da pandemia da Covid-19 desde que esta surgiu na cidade chinesa de Wuhan, em Dezembro de 2019.

Depois de um forte crescendo na passada semana, hoje tanto o Brent como o WTI iniciaram a semana com novos ganhos, em Londres a subir 4% cerca das 09:30, para os 33,79, nos contratos de Julho, consolidando, aparentemente em definitivo acima dos 30 USD por barril, enquanto em Nova Iorque a subida era mais saliente, 5,20 %, para os 31,04 dólares para as vendas de Junho, estreitando fortemente a faixa entre os dois mercados de referência.

Por detrás deste bom momento do crude está a abertura das economias europeia, dos EUA e da China, esta já há mais tempo, e os sinais de que o novo coronavírus, responsável pela COvid-19, está em regressão, apesar de os números globais ainda estarem a registar aumentos diários, ou ainda os ligeiros mas sólidos sinais de retoma da procura pela matéria-prima um pouco em todo o mundo, mas com os mais sólidos indícios a chegarem da China, da Índia e da Europa.

No entanto, sublinhe-se, esta recuperação ainda está longe do valor mínimo razoável para Angola, que tem em curso uma nova revisão do OGE 2020, onde o valor médio de referência do barril passa dos 55 para os 35 USD, de forma a responder ao terramoto que se abateu sobre o sector que ainda responde por cerca de 35% do PIB nacional e representa mais de 95% do total das exportações angolanas.

Os analistas mais focados no sector petrolífero coincidem hoje de forma generalizada na ideia de que o valor médio está num momento de sólida ascensão e com condições de manter este novo fulgor à medida que são anunciadas novas aberturas um pouco por todo o mundo e o vírus mostra que, com a chegada do tempo mais quente ao hemisfério Norte, onde estão os países mais industrializados, o número de casos diminui.

No entanto, alguns alarmes estão a ser colocados no caminho para ver como as coisas correm, como é disso exemplo o facto de na terça-feira, 19, chegar ao fim o período de negociação dos contratos de Junho em Nova Iorque, podendo, em tese, repetir-se o que sucedeu na segunda-feira, 20 de Abril, quando o WTI começou a negociar em terreno negativo pela primeira vez na sua história com a chegada ao fim do calendário negocial dos futuros de Maio.

O que parece, para já, estar a pesar mais na forma como os mercados olham para o crude é a entrada em vigor do plano de cortes de 10 mbpd da OPEP+, com a Arábia Saudita, o maior exportador mundial a anunciar há dias que iria cortar por sua iniciativa mais 1 mbpd, e a descida vertiginosa da produção no fracking dos EUA, que vai extrair até 1 mbpd à oferta mundial, aliviando sobremaneira os problemas de armazenamento comercial e estratégico na maior economia mundial.

É ainda relevante, como avançam hoje as agências e os sites especializados, o facto de os stocks norte-americanos estarem, segundo o Instituto Americano do Petróleo, a registar quebras surpreendentes, o que significa, não só uma maior procura pela matéria-prima nas refinarias, como também que os problemas de armazenamento podem estar a ser diluídos.

E há ainda uma convicção generalizada de que, ao contrário da crise de 2008/2011, quando as causas estavam directamente ligadas à perda de vigor das economias por razões estruturais, nesta crise, a recuperação, como o tem sublinhado o FMI e o Banco Mundial, tende a ser mais rápida, porque o fundamental não se deslocou, apenas esteve suspenso por acção da pandemia e do medo por ela gerado.

Os analistas coincidem ainda na ideia de que, se o mundo não assistir a uma segunda vaga da pandemia da Covid-19 depois do Verão, o tempo mais quente no hemisfério Norte, quando o clima começar a arrefecer de novo, então esta crise estará, de facto, ultrapassada, e uma novo e reforçado optimismo tomará conta das grandes economias com impacto directo nos países em desenvolvimento que têm nas exportações de crude a base de sustentação das suas economias como é disso um dos melhores exemplo Angola, pelo menos enquanto não forem visíveis os esforços de diversificação económica que há mais de uma década estão nas prioridades do Governo.

Uma gigantesca frota naval a caminho da China!!

Depois de o mundo ter atravessado o seu período histórico de preços de petróleo mais baixos de sempre, ninguém se surpreendeu quando as agências de notícias começaram a debitar informações umas atrás das outras sobre o perigo de as reservas estratégicas mundiais estarem à beira de atingir os seus limites, ficando milhões de barris sem lugar para serem armazenados.

Cenário que levou à segunda-feira trágica, a 20 de Maio, quando nem a 40 USD negativos parecia haver quem quisesse comprar crude. Ou seja, mesmo pagando, os traders não tinham quem quisesse a matéria-prima. Pelos vistos, aparentemente...

Porque houve quem tivesse aproveitado e, ao que tudo indica, a China esteve na linha da frente desse movimento, como o demonstra, segundo a Bloomberg, a gigantesca frota de quase 120 superpetroleiros, cada um transportando até 2 milhões de barris, que estão, neste momento a caminho de portos chineses, para descarregar mais de 230 milhões de barris entre os meses de Maio, Junho, Julho e Agosto.

Ou seja, enquanto o mundo estava preocupado em fechar as suas economias para se defender da pandemia da Covid-19, obrigando as pessoas a ficarem em casa e todas as formas de comércio e indústria a encerrar, a China tratava de garantir o fornecimento para os próximos meses com o petróleo mais barato de sempre na história da humanidade, algum dele a proporcionar ainda ganhos só pela sua recepção...

Perante este cenário, como notam alguns analistas, quando a economia planetária dá sinais de estar a voltar paulatinamente ao normal, a China consegue uma anormal garantia de crude muito barato ou mesmo grátis, armazenado em pelo menos 117 superpetroleiros em alto mar e agora a caminho das suas costas, prontos para alimentarem a segunda maior economia do mundo e o maior importador de petróleo mundial nos próximos 3 a 4 meses, com milhões de barris de crude caído do céu.

A Bloomberg, que recolheu estes dados a partir de organismos que marcam os navios a circular em todo o mundo, nota que esta frota de perto de 120 superpetroleiros a caminho da China é, de longe, o momento em que mais destes navios se dirigem ao mesmo tempo para um país.

Estas cargas são, essencialmente, petróleo adquirido por Pequim em Abril, quando os preços por barril atingiram os valores mais baixos em muitas décadas, em média, especialmente devido aos valores negativos de 40 USD que chegou a marcar o gráfico do WTI, em Nova Iorque.

Os analistas admitem que estas jogadas estratégicas foram replicadas por algumas das maiores economias mundiais, o que poderá permitir que a seguir à crise pandémica, a economia global tenha terreno para se reerguer com mais vigor.

Mas pode ser uma má notícia para os países exportadores, que, nos próximos meses, vão ter, até se esgotarem estas reservas, a concorrência de matéria-prima comprada em saldo no passado,

Angola, que é um claro exemplo de país que depende destes pormenores, tem, segundo a última projecção da Economist Intelligence Unit (EIU), um cenário pouco animador para os próximos meses, com uma revisão em baixa para a economia nacional em 2020, devido ao impacto da crise no valor do crude, que ainda é o seu principal sustentáculo.

Esta unidade especial da The Economist aponta para uma quebra de 4,1 por cento, contrastando com os 2,1 anteriores, o que denota um claro impacto além do previamente estimado desta crise, nomeadamente no sector petrolífero, mas também na forma como o confinamento definido para travar a progressão da Covid-19 está a retirar ímpeto à economia nacional.

Isto significa que o 5º ano de recessão, 2020, vai ser um dos piores deste ciclo negativo para as expectativas económicas nacionais, que se prolongam para 2021, com uma acentuada descida no que os analistas desta unidade da The conomist estimam como crescimento, colocando agora em apenas 0,1 quando, nalgumas projecções anteriores à pandemia, estimavam um crescimento de 1,9 por cento.