A ordem de congelamento das contas bancárias, onde estão depositados cerca de 7 mil milhões de rúpias mauricianas, quantia equivalente a mais de 200 milhões de dólares, surge na sequência de um pedido da Comissão dos Serviços Financeiros, da Unidade de Informação Financeira e do Ministério das Finanças das Maurícias.

Segundo revela a imprensa local, o processo foi desencadeado em Janeiro pela Comissão dos Serviços Financeiros, que regula o sector não bancário do país, e surge na sequência das suspeitas expostas pelos Paradise Papers, escândalo global de fuga a impostos por celebridades e proprietários de grandes fortunas.

De acordo com a edição digital do jornal L"Express, no âmbito das averiguações, um representante do Governo angolano deslocou-se este mês às Maurícias, tendo mantido, no passado dia 3 de Abril, um encontro com o primeiro-ministro Pravind Jugnauth. Embora o resultado da reunião não tenha sido divulgado, o facto de a decisão do Supremo Tribunal chegar dias depois sugere que os acontecimentos estejam ligados.

No centro das suspeitas estão o antigo presidente do Conselho de Administração do Fundo Soberano, José Filomeno dos Santos, "Zénu", e o seu homem de confiança, o empresário Jean-Claude Bastos de Morais.

Segundo escreve o L"Express, o suíço-angolano terá beneficiado de uma transferência suspeita de 500 milhões de dólares ordenada por Zénu.

O dinheiro agora congelado está ligado a vários projectos da Quantum Global, empresa fundada e presidida por Jean-Claude Bastos de Morais e que, segundo revelaram os Paradise Papers, tem facturado milhões com dinheiros públicos angolanos, desviados por via do Fundo Soberano.

O esquema foi exposto em Novembro do ano passado pelo jornal suíço Le Matin Dimanche.

Fundo Soberano usado como banco pessoal?

Com o título "Les milliards du peuple angolais font la fortune d"un entrepreneur Suisse", que se pode traduzir por "os milhares de milhões de dólares do povo angolano fazem a fortuna de um empresário suíço", a publicação passou a pente fino as "ligações pessoais" de Jean-Claude Bastos de Morais com o aparelho de Estado angolano.

Contas redondas, num único ano, de 2014, Jean-Claude Bastos de Morais encaixou cerca de 120 milhões de dólares pela prestação de serviços de consultoria ao FSDEA. A partir do ano seguinte, 2015, passou a receber entre 60 a 70 milhões de dólares anuais pela gestão de sete fundos de investimento criados nas Ilhas Maurícias pela sua empresa Quantum Global, com 3 mil milhões de dólares do Fundo Soberano. A estes ganhos directos, decorrentes de honorários pagos pelo Fundo Soberano de Angola, Bastos de Morais junta dividendos de investimentos viabilizados pelo Fundo.

Por exemplo, o FSDEA financia em 180 milhões de dólares o projecto de mais de 800 milhões de dólares para construção do Porto de Caio, em Cabinda, cuja empresa concessionária - Caioporto SA - é detida maioritariamente pelo empresário suíço-angolano.

O Fundo também aprovou 157 milhões de dólares para a edificação de uma torre futurista no centro de Luanda, num terreno que pertence a uma empresa de Bastos de Morais.

Para além de o Estado angolano ter assinado um contrato com essa firma do empresário, uma segunda empresa do suíço-angolano ficou com a direcção do projecto e execução de uma parte da torre destinada a alojar escritórios.

Resumidamente, estes são "os milhares de milhões de dólares do povo angolano que fazem a fortuna" do empresário, descrevia o Le Matin Dimanche.

Por detrás da análise está uma gigantesca fuga de informação, com a exposição de mais de 13 milhões de ficheiros de uma firma de advogados, a Appleby, que tinha nos seus arquivos os "truques" de milhares de pessoas e empresas abrangendo o período entre 1950 e 2016 para "pouparem" nos impostos devidos, ou ainda a Asiaciti Trust, de Singapura, ambas com escritórios e representações nos mais importantes paraísos fiscais do mundo.

Como Jean-Claude Bastos de Morais e a Quantum Global têm ligação privilegiada com os escritórios da Appleby nas Ilhas Maurícias e nas Ilhas Virgens Britânica, os Paradise Papers incluem centenas de documentos sobre o empresário suíço-angolano, considerado pelos advogados como um cliente de "alto risco".

Recorde-se que Bastos de Morais é detentor de 85% do Banco Kwanza Invest (ex-Banco Quantum), participação que adquiriu a José Filomeno dos Santos, quando este foi nomeado para o FSDEA pelo ex-Presidente da República e seu pai, José Eduardo dos Santos.