Com uma dívida ao Estado, accionista único da companhia aérea nacional, de 1,2 mil milhões de dólares, o que corresponde a 80% da dívida global, a administração sabe que tem de tomar medidas, mas sem ignorar que existem questões sociais incontornáveis, como, por exemplo, lidar com o facto de a empresa ter actualmente 3.100 trabalhadores quando o número ideal não vai além dos 2.000.

O que fazer com este excesso de pessoal, um dos entraves ao esforço de recuperação financeira da TAAG, e passo essencial para tornar a companhia apetecível no futuro processo da sua privatização parcial - onde o estado ficará com 51%, os trabalhadores com um pacote de 10% e os restantes a colocar nas mãos de privados - é uma das questões mais prementes que Rui Carreira tem em cima da mesa.

Todavia, o gestor garantiu nesta conversa solta com os jornalistas, sem a formalidade das conferências de imprensa, mas com o peso da situação precária em que a empresa se encontra bem presente, que a questão do excesso de pessoal não será tratada sem ter em consideração a questão social e económica que o país vive, com a consciência clara de que as pessoas que tiverem de sair ficam numa situação difícil num país a viver uma das mais intensas crises de sempre.

Mas é urgente olhar para os problemas da TAAG com especial atenção, porque a empresa abeira-se de um processo de privatização sabendo que não haverá interessados, sejam eles nacionais ou estrangeiros, sem que a maior parte destes constrangimentos estejam resolvidos, desde logo o excesso de pessoal, a dívida e a falta de divisas.

Sobre a questão das divisas, apesar de as outras companhias a operar em Angola estarem agora "muito felizes" porque o problema do repatriamento de divisas foi resolvido totalmente ou quase totalmente, a TAAG tem ainda na questão da sua escassez o maior problema.

"Se tivesse que escolher qual o maior problema com que a TAAG se debate, esse seria claramente a questão da falta de divisas", disse Rui Carreira no seguimento de uma questão do NJOnline.

E explicou porquê: "Mais de 75% das receitas da empresa são em moeda nacional mas 80% das despesas são em divisas", o que deixa a TAAG em permanente aflição face à impossibilidade de obter dólares ou euros para acorrer a situação urgentes, como, por exemplo, pagar as reparações de equipamento de bordo, sejam cadeiras, sejam ecrãs de entretenimento a bordo, resultando isso na questão da obviamente má imagem que é passada aos passageiros.

Por exemplo, apontou, uma cadeira da 1ª classe dos B-777 custa 180 mil dólares e, por vezes, avaria apenas porque uma senhora deu o comando ao seu filho para brincar.

Rui Carreira vê duas possibilidades para ultrapassar este pesado constrangimento, que leva ainda a que a empresa tenha de manter os preços de algumas rotas elevados, ou pela via do aumento do valor do petróleo nos mercados internacionais, o que levaria a uma maior disponibilidade no país de divisas, ou pela entrada de um investidor forte e com divisas disponíveis para injectar na companhia no processo de privatização, embora só resolvesse parcialmente o problema, porque no dia a dia, a situação manter-se-ia nas actuais condições.

Embora, aqui o gestor se depare com "um paradoxo", que é, sempre que o valor do petróleo cresce, aumentam os preços dos bilhetes, levando, normalmente, a uma diminuição no número de passageiros, situação que não se tem verificado ultimamente, porque a TAAG transportou 1,3 milhões de passageiros em 2018 e prevê, para este ano, embarcar pelo menos 1,5 milhões.

Um aumento sintonizado com a crescente facturação da transportadora de bandeira, que de 2018 para este ano, deverá observar um aumento de 20% nas receitas, o equivalente a 14 mil milhões de kwanzas, embora Rui Carreira tenha feito questão de alertar para o facto de este aumento, quando traduzido em dólares, se revele muito menos expressivo, podendo mesmo, dependendo do ritmo da desvalorização da moeda nacional, ser um crescimento negativo, porque as taxas de câmbio são um factor decisivo nas contas globais.

É foi neste contexto que o presidente da Comissão Executiva escolheu uma frase para exemplificar a situação extrema que a empresa atravessa: ""É como se nos tivessem mandado fazer uma omelete gigante com apenas um ovo".

E é isso que está a ser feito, sublinha, até porque se assim não for, dificilmente surgirá um interessado para entrar no negócio da privatização da TAAG.

Oficialmente, garantiu Rui Carreira, não existe nenhum interessado, mas admitiu que têm ocorrido manifestações de interesse informais, como se estivessem a "apalpar terreno", sendo um exemplo disso a Ethiopian Airlines, reafirmando, sempre que a conversa "aterra" na questão da privatização da TAAG, que a recuperação das finanças da companhia é essencial para que estes interessados avancem para um segundo passo.

Novas rotas, novos aviões

E essa recuperação, substancialmente dependente de reequilíbrios internos, como a questão da diminuição dos custos operacionais, a diminuição de trabalhadores, passa ainda pelo desbravar de novos céus para os aviões da TAAG, estando em cima da mesa a possibilidade de novas rotas para Acra, no Gana, para Kigali, no Ruanda, Lagos, na Nigéria, ou ainda Londres e Paris, de forma a que os céus europeus não estejam limitados a Lisboa e Porto, em Portugal.

Isso é tido como essencial pela administração da TAAG para aumentar a sua rentabilidade, mas também, recordou Rui Carreira, para encaixar a empresa no Protocolo de Yamoussoukro, que preconiza uma política de "open skies", onde as transportadoras devem estar no maior número possível de destinos de forma a precaver os seus interesses estratégicos.

Noutros casos, tratar-se-á de uma redução, como, por exemplo, no destino Brasil, onde a rota Rio de Janeiro deixará de estar activa em breve, ou Outubro deste ano ou Março de 2020, mantendo-se apenas a de São Paulo, embora com a garantia de acordos com outras companhias que permitem à TAAG continuar a vender bilhetes com destino ao Rio de Janeiro.

Outra questão essencial para a TAAG é a chegada de novos aviões para as rotas mais curtas, internas, ou para voos para, por exemplo, São Tomé, estando previsto que os seis DASH 400, da canadiana Havilland Aircraft, antiga Bombardier, com 74 lugares e custos na ordem dos 34 a 38 milhões de dólares norte-americanos por unidade, comecem a chegar já em 2020.

Estes seis novos aparelhos, que numa primeira fase viram a sua aquisição impedida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no âmbito do acordo de empréstimo firmado com o Executivo, devem chegar ao país a partir de Janeiro de 2020, uma unidade por mês, até Junho.

E são, segundo Carreira, uma clara mais valia no esforço de redução de custos operacionais, porque se trata de um investimento que pode estar pago em 4 a 5 anos, desde logo porque tem um consumo de combustível que é 1/3 do consumo do Boeing 737 a operar nestas rotas.

No que concerne aos voos de longo e médio curso, Rui Carreira avançou que os problemas sentidos com os Boeing 737 Max, depois de dois acidentes trágicos, veio alterar os planos e, neste momento, está em cima da mesa a possibilidade de analisar outras propostas, sejam da Airbus, sejam da Embraer, ou outros fabricantes.

O fim da impunidade

Neste esforço de normalização da empresa, o gestor colocou ainda em evidência a questão dos "esquemas" internos, que designa mesmo por "fraudes continuadas", desde as trocas injustificadas de lugares, ocupação de lugares indevidos, etc, sublinhando que a situação está a melhorar, mas admitindo que não pode ainda dizer que o problema acabou.

"O que posso garantir- apontou - é que a impunidade acabou. Agora, sempre que se tem conhecimento de um caso, são accionados os mecanismos existentes para lidar com o assunto", afirmou, naquilo que pode ir de expulsão da empresa até aos tribunais, ao mesmo tempo que enfatizava a urgência de "evitar ao máximo esse tipo de fraude" o que pressupõe que tenha "aumentado a vigilância interna, seja através dos sistema informáticos, sejam outros".

Mas, como pano de fundo a todos estes constrangimentos, o gestor levantou uma certeza, a de que se a transportadora, que deixou de se designar TAAG E.P. para passar a ser TAAG S.A. sem alteração no seu funcionamento normal até agora, conseguir resolver o problema das divisas e a questão dos funcionários qualificados nos lugares certos, Angola vai ter, rapidamente, "uma boa companhia aérea".