Em particular a partir da década de 70, os EUA estenderam o seu poderio na América do Sul, como forma de manterem a sua política de pilhagem das matérias-primas de países de grandes recursos ou, em alternativa, tendo outros como pólos do seu controlo político-militar, o que do ponto de vista estratégico lhes era/é importante.

A subida ao poder de fascistas no Brasil - com o apoio massivo das redes sociais, de seitas religiosas fanáticas e de um discurso insistentemente falso e de fácil consumo por parte de uma parcela considerável de eleitores, a exemplo do que aconteceu com as eleições em que Trump venceu, perdendo em número de votos - abriu um novo caminho à estratégia neocolonialista e expansionista de Washington para toda aquela região do continente americano. A este dado sinistro podemos juntar a política habitual de obediência ao "grande irmão" norte-americano por parte das potências ocidentais europeias, que, mesmo por vezes aparentando alguma distanciação da administração trumpiana, acabam por se agachar às forças da OTAN e abrir-lhe o caminho, mesmo porque também acabam por ganhar com isso e ficar com mais algumas migalhas que permitam manter por mais alguns anos a política de relativo bem-estar social, garantida à custa das matérias-primas e das riquezas do terceiro e do quarto mundos. Sem esquecer que é necessário ponderar os erros cometidos pelos diferentes poderes que defendem projectos políticos que têm como sustentáculo a justiça social, uma maior divisão das grandes riquezas nacionais e o garante de um Estado que aprofunde políticas de diminuição das grandes desigualdades sociais.

Por várias vezes defendemos a urgência de um grande debate entre as correntes democráticas e progressistas do pensamento humano - dos verdadeiros democratas-cristãos aos comunistas -, por forma a redefinirem-se processos e linhas de orientação, em face da escalada de governos que, paralelamente à defesa do ultraliberalismo, encaixam nas suas linhas de acção a defesa de valores retrógrados como a pseudo-superioridade racial, a "natural" selecção entre ricos e pobres, a putativa "inferioridade" de povos como o nosso perante uma entidade religiosa suprema e ante um mundo que consideram desde sempre como sua propriedade.

A verdade é que com erros, com muitos erros à mistura, nada justifica que se esteja a fazer com a Venezuela o mesmo que se fez, lembremos, com o Chile em 1973, quando a direita chilena, recorrendo a actos de sabotagem apoiados pela embaixada norte-americana, começou a provocar a falta de bens essenciais no mercado, a falta de condições nos hospitais, criando descontentamento nas populações mais carentes e menos conscientes e abrindo caminho para o golpe de Estado que haveria de levar Salvador Allende à morte e o general Pinochet ao poder (entretanto, protegido até ao fim da vida por Margaret Thatcher).

É assustadora a forma como os meios de comunicação sociais ocidentais propagandeiam vinte e quatro horas por dia o "caos" na Venezuela. Como transformam uma multidão de arruaceiros numa praça em milhões e reduzem as manifestações em defesa do poder legítimo venezuelano a zero.

Como bombardeiam as nossas cabeças, abrindo caminho para que os mais ingénuos, ou menos preparados, acabem por sentir uma simpatia natural por aqueles que são apresentados como vítimas da situação quando os seus principais instigadores, criando esse senso comum, é que fazem as massas agir conforme os interesses de uma pequena elite. Esta estratégia de manipulação é antiga e Noam Chomsky explica-a devidamente. Neste caso, bastou um telefonema do vice-presidente dos EUA, Mike Pence, para que um desconhecido se autoproclamasse presidente interino da Venezuela. Cumprindo as ordens do "Consenso de Washington", logo o The New York Times classificou Juan Guaidó de "um político maduro", a redacção do Bloomberg News qualificou-o de "restaurador da democracia" e o The Wall Street Journal declarou-o "novo líder democrático". Um indivíduo que, até 22 de Janeiro, menos de um em cada cinco venezuelanos o conhecia. E só se sabia dele por ser um arruaceiro perigoso ligado a manifestações da extrema-direita. O filme prossegue. Já conhecemos, desafortunadamente, o seu final.