No que era fundamental, o sonho era demonstrar a quem ainda tivesse alguma dúvida, que o Continente Africano tinha todas as condições para emergir finalmente e, sem o peso da ferocidade colonial ou neo-colonial, sentar-se à mesma mesa de todos os outros continentes, de igual para igual.

Passaram-se os anos. Passaram-se décadas. Sucederam-se gerações. E a ambição, o sonho foram empalidecendo, minguando, sendo apagados aos poucos das muitas ilusões que nos entusiasmaram a todos(?) por múltiplas razões. Quer pelo interesse do próprio Ocidente (e do Oriente também...), que nunca deixou de olhar para nós como simples peças de uma engrenagem de onde sairiam, como saem, as matérias-primas aparentemente infindáveis e, com os devidos cordelinhos, nos foram manipulando, com uma ou outra excepção na parte sul do nosso continente, muito poucas de resto.

A queda dos regimes do Leste europeu, provocada por erros próprios dos partidos que os dirigiam, coincidiu, ou resultou, melhor dizendo, na ascendência quase generalizada do que alguns teóricos gostam de chamar de liberalismo económico, que esconde nas suas entranhas, um sistema de profunda exploração dos trabalhadores. Exceptuaram-se algumas democracias populares profundamente entranhadas nos seus povos, que não vacilaram na sua manutenção como países independentes, à margem das manobras imperialistas iniciadas na mesma fase histórica por Thatcher, Reagan e João Paulo II e seus apaniguados, mesmo pagando um preço dolorosamente gigantesco pelas suas escolhas e alguns países onde a social-democracia é uma conquista histórica, ainda que, na actualidade, também por aí encontremos derivas autoritárias muito próximas das doutrinas fascizantes dos anos 20/30 do século XX.

Estamos, pois, diante de uma encruzilhada, relativamente à qual serão necessárias algumas escolhas que poderão ditar o nosso futuro, e não apenas o próximo. O de muitas outras gerações à nossa frente.

No rescaldo de um processo eleitoral que, como todos, atinge temperaturas muito elevadas - e lembre-se aqui a obrigatoriedade moral de todos manterem o nível de educação, de ética, de consciência nacional e de profundo sentido de cidadania que os angolanos demonstraram - é preciso que, por mais difícil que pareça, nos sentemos todos, ouçamos o que todos têm a dizer e consigamos agregar as questões de fundo, que vão determinar o futuro da República de Angola.

É preciso, é urgente, é indispensável que, independentemente de vencedores e de vencidos, nos ponhamos de acordo sobre uma agenda nacional que, sendo consensual, prepare as condições para nos libertarmos, tão depressa quanto o próprio aprofundamento desse diálogo o permitir, dos inúmeros constrangimentos de todo o tipo que vivemos.

E nos coloque na escolha das grandes e inadiáveis opções que temos de fazer, dos trilhos essenciais que nos poderão conduzir - à custa do nosso trabalho, do nosso esforço e de um grande consenso nacional - à construção de um país moderno, de justiça social, em que se cruzem as obrigações do Estado perante os cidadãos e o partido que podemos e devemos tirar do investimento privado. Isto implica definir, desde já, que há áreas "sagradas", que têm a ver com a soberania e a independência de Angola e que não podem nem devem ser olhadas como passíveis de privatizações, sejam elas para quem forem.

E obriga-nos ainda, depois de toda esta refrega, a que nos habituemos cada vez mais a ouvir os outros. Por mais que as discordâncias sejam em número superior aos grandes temas em que possamos estar de acordo, é preciso lembrar que Angola é mais importante que cada um de nós. E que temos à nossa frente, uma das últimas oportunidades que a História nos dá para nos unirmos, arregaçarmos os braços, e construir o país há tanto adiado.