Em causa está a possibilidade de esta megabarragem, uma das maiores do mundo, quase concluída e em fase de enchimento - as obras começaram em 2011 e desde logo nasceu uma forte tensão entre os três países - poder representar um menor acesso de água aos países que se situam a jusante do Nilo Azul e para quem o caudal contínuo é vital, não só para as suas economias, mas também para a sobrevivência directa das suas populações.

Face a este contexto, que pode, se o processo não "desaguar" num consenso mínimo, levar a uma "enchente" de natureza militar, com a Etiópia e o Egipto a não deixarem dúvidas de que todas as opções estão em cima da mesa, mesmo que as garantais de desejo de paz estejam a ser usadas como "bóia de salvação", a UA tomou a iniciativa de liderar e impor conversações regulares até que seja possível obter certezas de que um conflito armado está fora de questão perante as repetidas ameaça de Adis Abeba de que vai avançar com o enchimento da represa.

Como o Novo Jornal tem vindo a noticiar, os três países, por intermédio dos seus ministros dos Negócios Estrangeiros, Energia e Água, estão a repetir encontros, agora de forma virtual por causa da pandemia, para encontrar uma plataforma de entendimento, todos sem sucesso e com a tensão a aumentar de cada vez que um deles termina.

E o perigo real de deflagração de acções hostis tem como pressuposto a garantia enviada por carta à União Africana por parte da Etiópia onde é dada a garantia de que a GERD vai continuar a encher pelo segundo ano consecutivo, quer seja alcançado um acordo, quer esse acordo não venha a ser atingido, o que significará menos 13,5 milhões de metros cúbicos que deixam de alimentar as terras sudanesas e egípcias a jusante.

Em causa, como fez saber o Governo sudanês através da agência de notícias estatal, SUNA, é o facto de se estarem a manter infindáveis rondas negociais sem que se consiga um entendimento, ao mesmo tempo que a barragem continua a encher e a água a escassear a jusante.

"Não podemos continuar este vicioso ciclo de conversações indefinidamente", notou à SUNA o ministro da Irrigação, Yasir Abbas, citado pela Al Jazeera, embora este momento tenha marcado uma aparente nova fase nesta tensão porque o Egipto e a Etiópia surgem do mesmo lado a criticar a pressão de Cartum.

Em causa está a inclusão de especialistas da UA nas negociações, que o Sudão não quer directamente, aparentemente por suspeitas de que isso possa favorecer os outros países, embora Cartum seja apontado igualmente como estando a pressionar para que os especialistas da UA apresentem propostas alternativas às que os três Governos estão a colocar em cima da mesa, propondo conceder-lhes mesmo mais poder no decurso das conversações.

Para já, e face a este impasse, as negociações estão, como o ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano, Naledi Pandor, país que preside à UA, "num beco sem saída".

O que querem uns e outros

A Etiópia é o promotor da GERD, que se situa no seu território, embora muito próximo da fronteira sudanesa, no curso do Nilo Azul que, já no interior do Sudão, se une com o Nilo Branco, dando o corpo final ao Grande Nilo que desaparece, a norte, nas areias do Egipto, embora, por vezes, desagúe no Mar Mediterrâneo.

Este é o segundo país mais populoso do continente africano, com mais de 110 milhões de habitantes e tem na GERD uma oportunidade única para se desenvolver, fornecendo energia eléctrica a milhões de pessoas, reduzindo de forma drástica, pelo menos nos planos, a pobreza.

Mas o Egipto depende totalmente do Nilo há milhares de anos, seja porque é nas suas águas que sustenta toda a sua agricultura, a água potável e grande parte do turismo, sem a qual não existira tal como o conhecemos hoje e pela qual está disposto a tudo para a manter, sendo a GERD uma ameaça a esse modo de vida.

o Sudão, se por um lado admite que a GERD pode contribuir para regular o curso de água responsável por inundações periódicas, por outro sugere que a represa poderá colocar em risco milhões de vidas por causa de eventuais descargas sem controlo e porque as suas próprias barragens podem ser afectadas.

Este cenário, apesar de perigoso, deixa em claro a imagem de que o Nilo - que atravessa 10 países e que é o mais extenso rio do mundo -, é uma fonte inigualável de vida, e uma poderosa fonte de vida que atravessa as inóspitas terras áridas do norte, que abrangem boa parte do deserto.