A resposta que dá corpo a este descontentamento chega, principalmente, dos países originários das vítimas, como a Nigéria, com os músicos a entoarem os mais fortes protestos, ao mesmo tempo que as palavras populistas dos dirigentes sul-africanos contra os imigrantes, com o Presidente Cyril Ramaphosa no topo da lista, apesar de agora condenar este tipo de violência, começam a ser apontadas como a lenha que alimenta esta fogueira sangrenta que está a derreter as cores da "Nação Arco-Íris" de Nelson Mandela.

Em Abril deste ano, como o NJOnline noticiou, dias antes das eleições gerais de 08 de Maio, o então candidato e líder do Congresso Nacional Africano (ANC), Cyril Ramaphosa, para apanhar o comboio populista, ameaçou lidar de forma dura com os estrangeiros que se instalam nos bairros mais pobres e populosos das cidades sul-africanas, prometendo que o "à-vontade" com que o fazem "tem de acabar".

São cada vez mais os analistas que apontam estas palavras, como as de outros políticos sul-africanos de carácter semelhante, como "combustível" que está a alimentar a xenofobia no país, que, durante décadas, esteve sob domínio de um regime racista e opressor, ou seja, se o apartheid separava negros de brancos, a xenofobia actual resulta do ódio dos negros sul-africanos contra os negros estrangeiros.

Mas o mesmo Ramaphosa que em tempos proferiu frases perigosas e potencialmente apelativas para este tipo de violência, agora condena de forma veemente os ataques xenófobos contra os estrangeiros que escolheram o seu país para viver e trabalhar, admitindo mesmo que a África do Sul enfrenta "um desafio gigantesco" para acabar com a situação onde "muitos estão a fazer justiça pelas suas próprias mãos".

"Agir desta forma contra pessoas de outros países não está correcto, porque a África do Sul é casa para todos e não é o único país para onde vão pessoas que procuram melhor vida", disse.

Estas frases foram proferidas dias depois de terem sido incendiadas e pilhadas dezenas de lojas em Joanesburgo, com pessoas mortas queimadas, agressões violentas a estrangeiros, carros incendidados, numa cidade transformada de um momento para o outro num cenáro habitual em zonas de guerra.

A resposta africana

Face à gigantesca onda de violência que atravessa a África do Sul, país que enfrenta uma das mais sérias crises financeiras desde que o regime do "apartheid" colapsou em 1994, com taxas elevadas de desemprego e crescente pobreza, países como a Nigéria, cujos cidadãos estão a ser especialmente visados nos tumultos de Joanesburgo do passado fim-de-semana, mas também as situações recentes em Pretória ou em Abril, também em cidades como Durban, começam a reagir.

Na Nigéria, onde interesses sul-africanos começam a ser vandalizados - a embaixada sul-africana e o consulado em Abuja e em Lagos foram temporariamente encerrados por razões de segurança - em represália pelo que está a suceder no país de Mandela, as autoridades aumentaram o nível de alerta policial nas imediações dos investimentos de sul-africanos, como, por exemplo, as lojas Shoprite e do gigante das telecomunicações MTN, ao mesmo tempo que os artistas locais iniciaram uma vaga de manifestações de repúdio pelo que está a suceder a no país mais a sul do continente.

Mas também o Governo nigeriano já deu início a um conjunto de condenações e respostas para este problema, boicotando o Fórum Económico que está a decorrer na Cidade do Cabo e no qual outros lideres africanos já aproveitaram para protestar e exigir ao Governo sul-africano que assuma a responsabilidade de acabar com o problema de forma eficaz e célere.

Alguns destes artistas, especialmente músicos, curiosamente bastante apreciados na África do Sul, já se negaram a actuar no país para protestar contra as vagas xenófobas, fazendo lembrar a atitude de Elton John, a estrela britânica, que se recusou a actuar na África do Sul por causa do apartheid, dando início a uma avalanche de contestação global com a sua música "I ain't gonna play Sun City!"

As coisas estão, por estes dias, mais calmas, depois de um fim-de-semana de terror em Joanesburgo, a mais importante cidade do país tanto em número de habitantes como na frente económica, mas a polícia mantem-se nas ruas em grande número.

No campo desportivo, as coisas também começaram a reflectir o descontentamento com a situação que se vive na África do Sul e, na Zâmbia, foi cancelado um jogo entre a selecção local e a congénere sul-africana que deveria ter lugar no Estádio dos Heróis Nacionais, em Lusaka, numa decisão que coube à Associação de Futebol da Zâmbia.

Por detrás desta decisão radical estiveram os recentes ataques de Joanesburgo e Pretória, mas, essencialmente, por causa da acumulação de episódios de violência xenófoba em vários pontos da África do Sul, para os quais a generalidade dos países africanos começam a mostrar que a paciência está a chegar ao fim.

Recorde-se que esta violência tem como génese o mal-estar entre os sul-africanos instigados por movimentos organizados nas redes sociais que acusam os estrangeiros de roubarem os postos de trabalho que pertencem aos nacionais.

Um dos exemplos desse sentimento foi demonstrado pela recente greve de camionistas convocada para exigirem às empresas que deixem de contratar motoristas estrangeiros.

Em vários jornais e sites sul-africanos mas não só, começam a surgir analistas que admitem o regresso das sanções à África do Sul semelhantes às que sofreu durante o regime racista do apartheid, entre 1962 e 1993, nomeadamente os Jogos Olímpicos, ou nas competições internacionais onde os sul-africanos davam cartas, como o rugby e o críquete ou mesmo o futebol.

Também a União Africana, através do presidente da sua comissão executiva, Moussa Faki Mahamat, condenou de forma veemente e nos "termos mais fortes" este tipo de violência.