Com a resignação de Bouteflika, que deixa o poder ao fim de 20 anos a comandar os destinos da Argélia, forçado por uma vaga de manifestações que dura há meses no maior país africano, e um dos principais produtores de petróleo do continente, o Parlamento, seguindo o que estipula a Constituição, indicou para ocupar interinamente o lugar um dos mais próximos aliados do agora ex-Presidente.

Abdelkader Bensalah não agrada, de forma clara, a uma larga camada da população argelina e não é de todo do agrado dos mais jovens que, segundo contaram aos media internacionais vários analistas argelinos, continuam a exigir uma mudança de facto na estrutura do Giverno e não uma mera operação de cosmética, como parece ser o caso.

Isto, porque não é fácil para os milhares de jovens que ocupam as ruas argelinas acreditarem que um homem que sempre esteve ao lado de Bouteflika possa, agora, de um dia para o outro, revelar-se o líder que querem ver no poder para alterar o regime de alto a baixo, a começar pela Constituição.

Abdelkader Bensalah, nascido em 1941, tem 77 anos, pouco menos que Bouteflika, 82, e representa a velha elite que governa com mão de ferro a Argélia desde que em finais da década de 1990 as Forças Armadas lideraram o contra-ataque face ao avanço dos radicais islâmicos de grupos como a Frente Islâmica de Salvação (FIS), entre outros, que ameaçavam fazer entrar a Argélia numa nova idade das trevas.

O agora Presidente argelino é um velho jornalista que está no palco da história do país desde o fim da guerra da independência, debatendo-se com a persistente suspeita de que nasceu em Marrocos e se nacionalizou argelino no início da década de 1960.

Fez parte, como presidente, do Conselho Nacional de Transição entre 1994 e 1997, que marcou o fim do período de guerras contra os radicais, numa quase guerra civil, que fez centenas de milhares de mortos, presidindo de seguida à Assembleia Nacional Popular, até 2002.

Desde então, Bensalah, foi, até ontem, Presidente da câmara alta do Parlamento argelino, assumindo agora, sete dias após a resignação de Bouteflika, o mais alto cargo do Estado, em substituição do homem que esteve sempre por detrás da sua ascensão na estrutura governativa do país.

De acordo com a Constituição, deverá governar por um período máximo de três meses, findo o qual terá de indicar uma data para a realização de eleições gerais.

Até lá, segundo as suas primeiras declarações, Bensalah garante que vai "trabalhar totalmente no interesse único do povo", porque foi essa a "grande responsabilidade que acabo de receber e que a Constituição me exige".

A resposta nas ruas foi clara: "Eles não nos ouviram!", gritaram logo a seguir à sua nomeação milhares de pessoas nas ruas, querendo com isso dizer que a elite política argelina, os mais velhos, não ouviram a voz do povo, e é por isso que garantem que vão estar nas ruas "a marchar até que a mudança seja uma realidade".

Os partidos da oposição recusaram participar na sessão de posse de Bensalah e, com as ruas novamente a ferver, a Argélia, se Bensalah não conseguir um golpe de mágica que lhe dê, pelo menos, o benefício da dúvida, deverá entrar num novo período de forte tensão, até porque a polícia voltou ontem a recorrer ao gás lacrimogéneo para dispersar as manifestações, o que já não acontecia há várias semanas.