Considerando que os Estados africanos no seu todo, embora reconhecendo excepções, constituem um conglomerado geográfico com "escasso risco" de importação do novo coronavírus, responsável pela pandemia da Covid-19, que teve início em Dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, mas com uma grave "vulnerabilidade" perante um hipotético avanço da pandemia, a Fundação Mo Ibrahim nota, neste relatório, que estas fragilidades - nos sistemas de saúde e na insuficiente capacidade de recolha de dados estatísticos - são um municiador importante para que a Covid-19 possa ser ainda mais devastador em África que aquilo que sucede noutras geografias.

Esta Fundação, criada pelo filantropo e homem de negócios sudanês Mo Ibrahim, reconhecida globalmente pelo seu trabalho na defesa da boa governação, luta contra a corrupção e em prol dos Direitos HUmaos em África, tem como objectivo analisar e encontrar respostas para as vulnerabilidades africanas, apresentando soluções à escala continental, deixando claro que a união de esforços é uma mais-valia que não pode ser ignorada.

Tal como a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem dito desde que a pandemia foi declarada, África representa um risco acrescido por causa daquilo que é reafirmado neste estudo da Fundação Mo Ibrahim - a fragilidade dos sistemas nacionais de saúde, escassa recolha e análise fiável de dados estatísticos e ainda as empobrecidas comunidades, muitas delas constituídas por bairros e subúrbios com excesso de população sem o mínimo de salubridade.

A par destas evidências, o continente debate-se ainda com um excesso de doenças que abrangem um grande número de países, desde logo a malária, a maior causa de morte em Angola, mas também a prevalência da diabetes ou doenças respiratórias, o que contribui igualmente para aprofundar as vulnerabilidades do continente face à ameaça da pandemia da Covid-19, como sugere fortemente este documento elaborado pela Fundação Mo Ibrahim e agora divulgado.

No conteúdo deste relatório a Fundação, através dos técnicos que elaboraram o documento, apela a que os países façam um esforço suplementar para melhorar os seus sistemas de saúde e o acesso aos cudados médicos de qualidade.

Neste nota-se ainda em evidência o parco número de Estados com acesso universal e gratuito à saúde, apenas 10 em 54, existem oito destes com uma capacidade de recolha integral dos registos de nascimento, existe uma generalizada fragilidade da capacidade de controlo das entradas de pessoas, bem como é generalizada a escassa presença de técnicos de saúde qualificados, ou ainda a ineficaz resposta à proliferação de notícias falsas sobre a pandemia.

Os mais de 2 milhões de cidadãos chineses que habitam no continente e que fazem deslocações China-África é uma das notas colocadas no documento como forma de sublinhar as diferentes formas de exposição continental à pandemia.

No preâmbulo do documento, a Fundação Mo Ibrahim adverte que a progressão da Covid-19 em África está a acelerar de forma agressiva, com o vírus presente na quase totalidade dos países, e o número de casos e de mortos cresce com igual vigor, embora se diga ainda que, comparativamente com outros continentes, os números ainda são menos graves.

A justificação para isso, notam os técnicos da Fundação Mo Ibrahim, vai da juventude da população africana, a mais jovem do mundo, as singularidades climatéricas de África, embora não esteja, de forma alguma, afastada a possibilidade de o continente vir no futuro breve a ser palco da mais grave situação relacionada à Covid-19 em todo o planeta, pondo em evidência as já sublinhadas fragilidades sociais, económicas, na saúde, nos dados estatísticos, na recolha de informação e sua análise,

"A velocidade a que os países conseguem detectar, reportar e responder aos surtos epidémicos é um reflexo da capacidade institucional local, sendo esta pandemia um teste claro à governação e à liderança em África", aponta o relatório, sublinhando que isso se vai notar tanto a um nível nacional como regional e continental.

Com mais de mil milhões de habitantes, os sistemas de saúde no continente poderão ficar rapidamente sobreocupados e colapsar, notam os peritos da Fundação como um dos principais desafios aos Governos colocados pela emergência desta pandemia, para além do brutal impacto económico sobre as frágeis economias em todas as latitudes.

"A pandemia da Covid-19 vai ter um impacto generalizado em todo o continente, e, se ocorrer mais tarde, vai isolar África dos benefícios da recuperação noutras geografias, e intramuros, esta pandemia vai por em evidência das discrepâncias regionais ou ainda entre países situados nas mesmas sub-regiões, vai engrandecer os já perigosos níveis de desemprego e, entre outras consequências, estancar o fluxo de investimento público e privado, incluindo o estrangeiro.

Não menos importante para a Fundação Mo Ibrahim é o potencial gerador de conflitualidade social interna e conflitos entre Estados, o que "exige uma atenção imediata e a coordenação de respostas a nível regional e continental".

O texto introdutório ao relatório aponta ainda para a urgência de aproveitar as lições retiradas das epidemias de Ébola no passado, onde ficou em evidência que a coordenação dos vários actores regionais melhora substancialmente a capacidade de resposta, até orque entre os 54 países de África, 22, o que inclui Angola, segundo se pode ler neste relatório, não possuem qualquer serviço de saúde universal e gratuito.

Numa síntese da principal mensagem inserida neste trabalho da Fundação Mo Ibrahim surge em destaque a evidência de que, perante as fragilidades dos sistemas de saúde nacionais, o que é claramente sublinhado pelos dados publicados pelos CDC Africa (Centros de Controlo e Prevenção de Doenças), são inúmeras as vantagens de coordenação para a formulação das políticas de resposta a esta ameaça comum.

Por exemplo, em relação a Angola, nos sectores da Saúde, da Educação e gestão pública, três dos cinco considerados, que inclui ainda infra-estruturas e segurança nacional, o país aparece nos cinco piores classificados, sendo mesmo o pior em Saúde, onde está com países como o Chade, Libéria ou a RDC.