Embaló já garantiu que não deixa o poder e conta com o apoio claro das chefias militares para o proteger, apesar de a sua tomada de posse ter ocorrido à margem das exigências constitucionais por ausência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre os recursos apresentados pelo seu adversário na 2ª volta das eleições Presidenciais, a 29 de Dezembro, Domingos Simões Pereira, líder do histórico Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo verde (PAIGC), alegando a ocorrência de ilegalidades.

Num processo claramente fora da norma constitucional, recorde-se, Sissoco Embaló foi empossado numa unidade hoteleira de Bissau pelo vice-Presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Nuno Nabian, a quem nomeou de seguida para o cargo de primeiro-ministro, quando as regras impunham que a sua posse fosse conduzida pelo Presidente da ANP, Cipriano Cassama, desde que não estivesse impedido, como era o caso.

De imediato, unidades móveis das Forças Armadas tomaram de assalto as diversas instâncias judiciais do país, encerrando-as, incluindo o STJ, assumiram posição na Presidência e cercaram a casa do então primeiro-ministro legítimo, Aristides Gomes, bem como exigiram, sob ameaça de morte, a demissão de Cipriano Cassama do cargo de Presidente interino, que assumiu depois de Embaló se ter autoproclamado Presidente da República.

É neste contexto que Sissoco Embaló e o seu primeiro-ministro, Nuno Nabian, prosseguem na sua caminhada com destino à irreversível tomada do poder, com a garantia de protecção dos militares, tomando a decisão de enfrentar a CEDEAO ao proibir a entrada no país de uma missão de alto nível desta organização africana, que pretendia apoiar o país na consolidação da normalidade constitucional.

O exemplo da CEDEAO

Isto, apesar de ter presente que há apenas três anos, em Janeiro de 2017, a vizinha Gâmbia, igualmente um pequeno país da África Ocidental, esteve à beira de ser invadida por forças militares da CEDEAO porque o Presidente cessante, Yahya Jammeh, se recusava a deixar o poder depois de ter sido derrotado nas urnas por Adama Barrow, numa clara demonstração de que os dias das violações à ordem constitucional dos países-membros desta organização sub-regional estavam contados.

Por detrás deste aparente desafio perigoso, segundo observadores da política guineense no terreno explicaram ao Novo Jornal, está o à-vontade de Embaló permitido pelo apoio que tem dos Presidentes do Senegal, Macky Sall, e da Nigéria, Muhammadu Buhari, curiosamente os dois mais empenhados lideres regionais na expulsão de Jammeh da Presidência gambiana, o que lhe assegura, aparentemente, que a mesma medida não será agora accionada para garantir a ordem constitucional em Bissau.

E esse à-vontade parece ter ficado claro quando, na quarta-feira, os serviços da Presidência guineense anunciaram que Umaro Sissoco Embaló iniciaria nesse mesmo dia uma visita por vários países da região, começando pelo Senegal, seguindo-se o Níger e, por fim, a Nigéria, com encontros marcados e agendados oficialmente pelos gabinetes dos Presidentes, respectivamente, Macky Sall, Mahamadou Issoufou, que lidera actualmente à Comunidade regional, e Muhammadu Buhari.

Entretanto, nesta consolidação apressada do seu poder, Embaló fez saber que este périplo surge por iniciativa dos seus homólogos, que lhe endereçaram o convite para a deslocação oficial a Dacar, Niamey e Abuja, mesmo depois de ter sido proibida a entrada no país da missão de alto nível da CEDEAO, que deveria chegar a Bissau na segunda-feira.

O autoproclamado Presidente justificou a proibição de entrada com a ideia de que a Guiné-Bissau possui especialistas suficientes bem como um STJ a funcionar para erguer a exigida normalidade constitucional pós-eleitoral, mas por detrás desta decisão está claramente o facto de o representante da CEDEAO em Bissau ter comunicado o envio da missão em carta dirigida ao primeiro-ministro Aristides Gomes, a quem Embaló demitiu após ter assumido o poder, nomeando para o seu lugar Nuno Nabian, facto que a organização sub-regional parece ter ignorado, dando um sinal de que entende ser Gomes o legitimo chefe do Executivo.

Neste momento, os observadores da política guineense em Bissau contactados pelo Novo Jornal admitem que só após o périplo anunciado por Embaló às três capitais da região se poderá perceber se este conta com o apoio das lideranças regionais ou não, o que vai influenciar de forma decisiva o seu futuro político.

E a posição da CPLP

Entretanto, recorde-se, enquanto membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), países como Angola, Brasil e Portugal também já assumiram posições sobre a situação melindrosa que, mais uma vez, a Guiné-Bissau atravessa.

A posição de Luanda, expressa pelo ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, aquando da sua recente visita ao Brasil, é que uma solução deve surgir a partir do diálogo, lamentando que mais uma vez a Guiné-Bissau esteja nas páginas dos jornais por estas razões.

O responsável pela diplomacia angolana adiantou ainda que Luanda condena de forma veemente o recurso à violência e a todos os tipos de tomada do poder por meios inconstitucionais.

"A nossa condenação veemente ao recurso a todo o tipo de violência é clara, bem como a todas as tentativas de tomada do poder por meios não constitucionais", disse Augusto, acrescentando: "Encorajamos todos os actores políticos a cumprirem a lei e a Constituição, porque essa é a única forma de garantir o seu desenvolvimento económico e social".

O seu homólogo brasileiro, Ernesto Araújo, referindo-se ao mesmo assunto, coincidiu na abordagem feita por Manuel Augusto.

Já o ministro português dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, em declarações mais recentes, lamentou que a missão da CEDEAO tenha sido impedida de entrar em Bissau, sublinhando que seria a forma mais natural de encontrar uma saída para o problema, apontado como caminho a seguir a diplomacia para garantir que a violência não fará parte da solução para a "crise institucional" que ali se vive.

Tanto as Nações Unidas como a União Africana também já exigiram que os preceitos constitucionais sejam respeitados e que a normalidade constitucional seja garantida no país, existindo mesmo a ameaça de sanções para os prevaricadores por parte do Conselho de Segurança da ONU, reforçando assim essa mesma possibilidade avançada pela CEDEAO.

Recorde-se que Umaro Sissoco Embaló, nas declarações que fez deste que se autoproclamou Presidente, a 27 de Fevereiro, dois meses depois da 2ª volta das eleições Presidenciais, já defendeu que "não se tratou de um golpe de Estado" nem estão em curso quaisquer medidas cerceadoras dos direitos e liberdades do povo guineense.

Embaló e os seus apoiantes recordam que a contagem dos votos foi limpa e a votação não mereceu quaisquer reparos das missões de observadores que estiveram no terreno a acompanhar a votação, tanto na segunda volta como na primeira.

Começou mal

A Guiné-Bissau foi a primeira das antigas colónias portuguesas em África a proceder à proclamação da independência, a 24 de Setembro de 1973, nas matas de Madina do Boé, no leste do país.

A fundação da nacionalidade começou já de forma violenta, em 1973, em Conacri, capital da Guiné-Conacri, onde o PAIGC tinha a coluna principal da sua força de oposição ao colonialismo português.

Meses antes da independência proclamada, a 20 de Janeiro desse mesmo ano, Amílcar Cabral, o histórico fundador do PAIGC e considerado o pai da Nação guineense, foi assassinado pelos seus companheiros de luta.

Depois, o país teve o seu arranque enquanto Estado com um golpe militar onde o general Nino Vieira derrubou Luís Cabral, o primeiro Presidente do país e irmão de Amílcar Cabral, que governou até finais da década de 1990, quando, numa guerra civil - a Guerra de 07 de Junho, que durou entre 1998 e 1999 - de mais de um ano, onde tiveram participação activa ao lado de Nino Vieira o Senegal e a Guiné Conacri, levou ao derrube de Nino Vieira, que se exilou em Portugal.

Depois de anos de permanente instabilidade política e militar, marcada pela frenética presidência de Kumba Yalá, Nino Vieira regressa a Bissau em 2005, ganhando as eleições que lhe permitiu governar até 2009, ano em que foi assassinado em mais um golpe militar.

Desde então, e apesar de alguns anos de relativa acalmia, a Guiné-Bissau voltou a mergulhar no caos político, embora sem intervenção militar alguma, tendo ficado os últimos anos marcados pelos abusos cometidos pelo anterior Presidente, José Mário Vaz, que lhe permitiram governar por mais dois anos que o limite oficial do seu mandato e que, agora, volta a ferver por entre novas dúvidas quanto à lisura eleitoral num dos mais problemáticos, e dos mais pequenos, países africanos.