Donald Trump foi igual a si próprio, sentou-se com pompa e circunstância a uma mesa oficial na Casa Branca, em Washington, rodeado de enfeites coloridos de Natal, para colocar a sua assinatura no documento que oficializa o reconhecimento dos EUA de Jerusalém, a cidade onde as três religiões do Livro, ou abraâmicas - o Islão, o judaísmo e o cristianismo - assentam quase totalmente os alicerces da sua existência, como a capital política de Israel.

É certo que está sozinho nesta empreitada, porque o resto do mundo ocidental apressou-se a criticar e a garantir que não seguiria as pegadas de Trump, mas é igualmente certo que a sua assinatura é ingrediente suficiente para cozinhar uma nova vaga de violência no Médio Oriente e no mundo, depois de todos os países árabes e islâmicos com geografia assente na região terem apontado o dedo ao inquilino da Casa Branca, responsabilizando-o pelo que vier a acontecer.

O Rei Salman, da Arábia Saudita, o principal aliado dos EUA na região não se conteve e disse que o que Trump fez é um "claro desafio a todos os muçulmanos no mundo".

O movimento Hamas, considerado terrorista pelos EUA mas com enorme peso social e político na Palestina, já pediu uma nova Intifada, que é em síntese, uma explosão de violência nas ruas com o envolvimento de milhares de palestinos e contra Israel e as suas dimensões simbólicas ou não, porque entende que essa é a única forma de lidar com a "política sionista" de Washington e de Israel.

Uma das consequências possíveis em cima da mesa é a Turquia cortar relações diplomáticas com Israel e colocar um ingrediente tóxico na ligação aos EUA e na NATO, onde Ancara representa o segundo maior corpo militar da organização atlântica de defesa e um papel fulcral no equilíbrio geoestratégico no Médio Oriente.

Com um eventual impasse nos acontecimentos mais dramáticos que são esperados, devido à necessidade de preparar o terreno para a mudança da embaixada para a Cidade Santa, as questões prementes são a forma como a Palestina se recusa determinantemente a aceitar esta imposição e a certeza de que todo o universo islâmico se colocará no terreno posicionado em defesa da Autoridade Palestiniana e contra Israel.

As consequências ninguém pode prever, sendo que poucos acreditam que, pelo menos, uma nova intifada possa ser travada, esperando-se o regresso das imagens nas TV"s de todo o mundo de milhares de jovens a apedrejar as forças de segurança israelitas e ainda uma nova vaga de atentados terroristas.

A história estranha por detrás

Em 1995, o Congresso norte-americano aprovou uma lei que prevê a mudança da embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém, mas todos os Presidentes que antecederam Trump, de Bill Clinton, passando por George W. Bush, até Obama, entenderam que o Congresso se estava a intrometer onde não era chamado, ou seja... na gestão das relações externas do país, tendo, durante mais de duas décadas, todos eles, assinado um documento de seis em seis meses, para, alegando9 razões estratégicas para o país, protelando o cumprimento dessa mesma lei.

Foi este status quo que Trump prometeu extinguir na campanha eleitoral, definindo Jerusalém como local da sua embaixada em Israel, chocando claramente e de frente com uma das mais antigas crises territoriais que a humanidade já conheceu: a definição do estatuto da Cidade Santa.

Israel tem desde sempre - há três mil anos - Jerusalém como a sua "capital", mesmo quando o povo judeu não tinha uma Pátria geograficamente administrada, o que foi realidade até meados do século XX, e os Palestiniano s exigem ver reconhecida a parte oriental da cidade como a capital política de um Estado palestino independente.

Esta solução, uma cidade duas capitais, é vista por muitos como a base para uma solução da crise "eterna" entre a Palestina e Israel, cujo conflito dura há décadas.

Se por um lado, os israelitas, em Israel e no mundo judaico, estão a dar vidas à decisão de Trump, o universo muçulmano começa a organizar uma resposta, e o resto do mundo, como sempre, e com a ONU como centro negocial, procura com afinco um entendimento mínimo para evitar uma tragédia regional, no mínimo, devido à já publicamente citada por lideres mundiais insensatez do sui generis Presidente dos EUA.

Deste o SG da ONU, António Guterres, ao Papa Francisco, passando por todos os governos europeus, tradicionalmente mais envolvidos neste caso Israel-Palestina, a Liga Árabe e outras organizações internacionais, todos concentram as suas atenções no desenrolar desta situação despoletada pelo gesto considerado quase por toda a gente de irreflectido. Claramente satisfeito só o Governo israelita de Benjamin Netanyahu.

Mas é esperado o ressurgimento da raiva palestina e isso mesmo se percebe pelo facto de, como noticia a imprensa norte-americana, as embaixadas dos EUA situadas em países mais expostos à influência da decisão de Trump estarem todas em estado de alerta.

Até o Rei Salman, da Arábia Saudita avisou para o perigo que isto representa por se tratar de "um flagrante desafio a todos os muçulmanos do mundo".

Jerusalém, porquê?

Esta cidade não é, nem de perto nem de longe, um local que tenha vivido muito tempo em paz desde a sua criação, há pelo menos 3 mil anos, mas é tida pelas três religiões monoteístas como símbolo da paz, ou do que entendem por paz, o que, como está visto, tem criado tudo menos... paz.

Nela coincidem locais sagrados para cristão, muçulmanos e judeus, onde o mais pequeno gesto, banal noutro lugar do mundo, tem ali um potencial tumultuoso para provocar uma guerra religiosa.

O Monte do Templo ou a Esplanada das Mesquitas concentra todo o Sagrado do mundo para estas três religiões por ali estar o Templo de Salomão do qual, com mais ou menos, especificidades, apenas resta o mundialmente conhecido Muro das Lamentações, definitivo para os judeus.

Ou por ali ter sido sacrificado Jesus Cristo, momento absoluto para o universo do cristianismo e toda a narrativa histórica em torno deste momento fundador da mais abrangente constelação religiosa do undo.

Ou ainda porque é nesta delimitada geografia santa que os muçulmanos encontram um dos seus locais mais sagrados, aquele onde o Profeta Maomé subiu aos céus e nasceu um dos cinco pilares estruturantes do Islão.

Face a este enredo histórico, todos vêm em Jerusalém o sítio para se estar... e isso só é possível se nenhuma das religiões ocupar todo o território. Tudo aponta para a urgência da paz e da espiritualidade, mas de todos os caminhos que levam a Jerusalém nascem atalhos por onde o mal passa as ancestrais rasteiras.