A aviação e a artilharia turcas estão, há quase 72 horas, a flagelar as posições ocupadas pelas milícias do YPG (Unidades de Resistência Popular), que tem como missão proteger as comunidades curdas e que a Turquia considera um grupo terrorista, apesar de terem sidos estas forças os grandes aliados dos Estados Unidos da América e de países ocidentais no combate aos radicais islâmicos do "daesh", ou estado islâmico.

Estes ataques só se tornaram viáveis depois de a Turquia ter visto as forças militares norte-americanas que estavam na região, por decisão do Presidente Donald Trump, num gesto fortemente criticado por quase todos os países europeus e da região, para além da Rússia e da China, abandonarem os seus antigos aliados à sua sorte por já não precisarem deles para combater o estado islâmico.

Curiosamente, apesar de derrotado militarmente, de acordo com especialistas, esta ofensiva turca pode fazer ressurgir o daesh na Síria, porque alguns milhares dos seus aguerridos combatentes estão em prisões à guarda do YPG e que, agora, podem ter uma oportunidade para escapar, visto que as autoridades autónomas do Kurdistão sírio lançaram um apelo para que todos, incluindo polícias que guardam as cadeias, se dirigirem para a linha da frente de forma a estancar a invasão turca.

Apesar de o Presidente turco, Recep Edogan, ter garantido que a sua intenção, ao lançar esta campanha militar, onde colocou meios gigantescos e milhares de homens armados, não é ocupar território sírio no nordeste, a questão é que esta acção militar, justificada para resolver o problema de milhões de refugiados, está a fazer com que outros milhões de curdos nas áreas de impacto se transformem também eles em novos refugiados.

Os mais de 3 milhões de refugiados presentes na Turquia, que Ancara quer ver colocados na faixa de 30 kms - zona tampão segura -, e que Erdogan pretende criar junto à fronteira turco-síria-curda, são resultado da longa guerra civil que varre a Síria há anos, com a Turquia a ter um papel importante nesta por ser o principal apoio de uma das facções que de enfrentam no território e que agora está a usar para combater as posições do YPG.

Apesar de a ONU já ter confirmado, pelo menos para já, que os ataques turcos estão confinados à área dos 30 kms fronteiriços, alguns especialistas temem que Edogan queira aproveitar esta oportunidade para se livrar dos milicianos do YPG, que considera terroristas, mas que nenhuma das grandes organizações internacionais segue esse raciocínio.

O problema mais profundo é, precisamente, as pretensões nacionalistas e independentistas em todo o Kurdistão, um imenso território que alberga mais de 40 milhões de pessoas, distribuídas por quatro países, a Turquia, a Síria, o Iraque e o Irão, sendo mesmo a mais complexa e maior Nação do mundo sem um país definido.

A Turquia é o país que menos direitos concedeu até hoje aos territórios curdos, com autonomias alargadas no Irão, na Síria e no Iraque, mas sem que tal aconteça na Turquia, ojde o PKK, o Partido dos Trabalhadores dos Kurdistão, foi ilegalizado por defender essa autonomia, transformando-se nos maiores inimigos de Recep Erdogan.

Face a este cenário de caos, com quase 100 mil pessoas a procurarem escapar dos ataques, nomeadamente de cidades como Tal Abiad e Ras al Ain,as Nações Unidas e a Cruz Vermelha têm feito apelos veementes para que Ancara pare com as agressões.

A movimentação crescente de milhares de pessoas, muitas delas com os escassos bens que conseguem transportar, com crianças e idosos, enchem as estradas rumo ao interior da Síria, na esperança de que as forças turcas não avancem tanto no território devido à resistência de milhares de milicianos das Unidades de Resistência Popular (YPG) e de civis voluntários.

Novos campos de acolhimento dos novos refugiados estão já a ser criados pelo ACNUR, organização da ONU para os refugiados, com apoio da Cruz Vermelha e de fundos que estão a ser doados por vários países.

Recorde-se que os curdos, apesar de maioritariamente islâmicos, coabitam há centenas de anos com comunidades cristãs pacificamente e são, por tradição, mais tolerantes que a vizinhança, nomeadamente no que diz respeito aos direitos das mulheres, seja no domínio político, como nos costumes, existindo mesmo unidades militares compostas unicamente por mulheres (ver foto), sendo das que os radicais do daesh mais temiam em combate.