É muito comum ouvirmos histórias de governantes que recorrem a forças ocultas para permanecer nos cargos, de outros que acabam tendo AVC ou outras indisposições quando são informados da sua dispensa ou exoneração. Aqui em tempos, foi muito comentado o caso de uma governante que terá tentado pôr fim à vida quando tomou conhecimento da sua exoneração.

Há um procedimento que vem do passado e que no presente precisa de ser alterado: da mesma forma que um cidadão é informado ou convidado para exercer um cargo no Governo não custa nada fazer um pequeno esforço e ter a elegância de o avisar de forma antecipada da sua dispensa. Um servidor público, que se dedica em pleno e abdica de momentos da vida pessoal, que se empenha, que aplica toda a sua arte e engenho no exercício das funções, que exerce cargos em representação do Estado, vir tomar conhecimento da sua exoneração, do seu afastamento pela comunicação social ou pelas redes sociais, é de todo deselegante. É o dilema de se informar e de se ser informado, bem como a necessidade de se conformar que há mais vida para lá da política.

Há mais vida para lá da política e são de se admirar as pessoas que têm a facilidade de se libertar das amarras e entranhas da política. As máquinas político-partidárias são obsoletas, burocráticas e manipuladoras, absorvem as pessoas e limitam-nas, no sentido de ficarem com a ideia de que não há mais mundo para além daquele, sendo maior o medo de muitos não terem vida ou futuro que não passe pela política. Em Angola, há uma excessiva valorização do papel do político e do exercício de cargos políticos, o que é mau e tende a não valorizar outras ocupações.

Passa-se a ideia de que se está bem e se está seguro quando se está na política e se tem alguém por lá. É uma ilusão, uma ideia errada, mas que, durante anos, tem marcado posição. O importante é estar ligado aos círculos do poder, o importante é alcançar o poder, o importante é ter um cargo, seja ele executivo ou mesmo não executivo. Um bom e competente profissional ou servidor público não precisa de estar ligado ou sujeito aos ditames das máquinas da política, dos partidos, de certos caprichos ou interesses de grupos.

Os políticos têm um horror ao vazio, e o afastamento involuntário da vida política pública cria-lhes uma apatia de espírito, fá-los entrar numa fase de busca pelo sentido da vida. Há como que um regresso à normalidade depois de um período em que se viveu numa esfera de poder. Passam a conhecer vários limites em termos de relacionamentos, acessos, privilégios e reconhecimento, mas o mais importante de todos é o limite da condição humana.

Percebem, finalmente, como a luta pelo alcance e pela permanência no poder acabou por os desumanizar e afastar do convívio social. Percebem, finalmente, que viveram uma vida de cheia de vazios, tentam levar uma vida normal, mas, como há muito se consideraram acima de qualquer ser normal, logo passaram a ser vistos por estes como entes "anormais" e entram numa espécie de depressão pós-cargo. É um grave problema de saúde mental e que os afectados acreditam que a cura está na nomeação para um novo cargo.

Sempre que há uma ronda de exonerações/nomeações por parte do PR, relatam-se sempre casos de depressão pós-cargo, que revelam a dificuldade de algumas pessoas na vida pública aceitarem o seu "novo normal" ou a ideia de voltarem a ser cidadãos comuns. Há mais vida para além da política e há necessidade de prepararem as suas vidas para o pós-política, de pensar nas suas vidas após o exercício dos cargos, pois os cargos têm encargos e, muitas vezes, os encargos dos cargos são piores que os próprios cargos. O que vem depois dos cargos é que acaba por ser o grande encargo - o pós-cargo.