Em pleno dia da ONU, Angola e os políticos passavam ao mundo a imagem de uma nação desunida. Na verdade, devia ter sido um esforço maior para se evitar o que aconteceu no sábado. Não havia razões para a desordem e detenções que todos vimos acontecer no sábado. A priori, faltou uma estratégia de gestão de crise por parte do Governo Provincial de Luanda (GPL) que, após ter recebido a comunicação por parte dos organizadores, devia não apenas comunicar com comunicados, mas também estabelecer outros vasos comunicantes para reduzir a crispação.

Aquele directo da governadora Joana Lina em horário nobre não produziu os efeitos desejados. Um discurso truculento e pouco conciliador no pós-manifestação só aumentou a indignação social e virtual. O Executivo subestimou a força e o poder dos indignados/revoltados. O Decreto Presidencial teve urgência em entrar em vigor para impedir que os manifestantes fossem à rua, mas não acautelou o facto de não estar à altura de limitar o direito de manifestação, por não se estar diante do Estado de Sítio, Guerra ou de Emergência.

A manifestação é um direito consagrado na Constituição, mas aproveitar-se de um direito para exercer actos de vandalismos, destruição de bens públicos, provocar embaraços ou atentar contra a integridade física de quem circula pelas ruas é errado. Terá havido excessos de ambos os lados, prenderam-se menores, grávidas e jornalistas, tudo num processo tenso e violento. Curioso é que, 24 horas depois, os organizadores da manifestação realizaram uma vigília nas imediações da Igreja Sagrada Família, e tudo correu com a maior normalidade.

O jornalismo independente, objectivo, isento e de qualidade é vital para a construção de um espaço público dinâmico e democrático, afirmando-se como importante expressão da liberdade. Os acontecimentos de 24 de Outubro, além da avaliação do estado da nossa jovem democracia, foram também reveladores da qualidade e liberdade do nosso jornalismo. Revelou ser preciso educar a nossa imprensa para as novas realidades, tem de olhar para o mundo e os factos com olhos da actualidade, principalmente até quando concorrem com as redes sociais, que hoje transformam um pouco os cidadãos em "jornalistas", são canais que vão assumindo certa relevância, transmitindo aquilo que certos media mainstream não vão passando.

É comunicação directa e direccionada aos cidadãos/utilizadores destas plataformas digitais. Revelou também a impreparação de muitos órgãos de comunicação social em lidar com fenómenos novos de expressão da liberdade. Perante um cenário em que eram confrontados com uma mistura de informação, populismo e desinformação, os órgãos públicos de comunicação deviam responder com jornalismo sério, objectivo e em nome do interesse público, mas, obviamente pressionados e em nome de interesses de grupos ou máquinas partidárias, responderam com propaganda e omissões. Tomaram posição, foram parciais, adjectivaram e indicaram culpados, sem esquecer o silêncio com a detenção de jornalistas.

E como hoje os jornalistas e respectivos órgãos são também alvos de escrutínio dos cidadãos, a situação acabou gerando excessos com um desnecessário e preocupante discurso de ódio que teve nas redes sociais o seu palco privilegiado. O sistema público de comunicação social precisa de ser redireccionado, precisa de se libertar, de relatar factos e de fazer jornalismo, uma vez que tem meios, condições e quadros competentes para o fazer. Os órgãos públicos de comunicação fazem parte do processo de construção desta Nação, ajudaram a consolidar a independência e a afirmar a paz, sempre foram respeitados e valorizados pelos cidadãos, sendo triste ver hoje quadros seus ameaçados, hostilizados e com medo de exercer livremente a sua actividade, bem como o seu património material vandalizado.

É necessário que se tome uma postura de sentido de Estado, é preciso repor e manter a autoridade do Estado (sem violência), é preciso dialogar e apelar à unidade. Não se pode continuar a usar tácticas do passado para uma realidade política, social e cultural que hoje é completamente diferente, que tem outras dinâmicas e novos protagonistas. É preciso colocar o País acima das disputas políticas e das guerras de afirmação ou protagonismo.

Como é que, desde os acontecimentos de sábado até ao momento que escrevo este texto, o Presidente da República, João Lourenço, ainda não convidou o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior, para uma conversa e analisar a actual situação? Como é que João Lourenço ainda não se dirigiu à Nação, apelando à calma e serenidade? Como é que Adalberto Costa Júnior, ao invés de "pressionar" um encontro com o PR, acaba seduzido pelo populismo e lhe lança um desafio nas redes sociais para um debate televisivo?

É preciso sentido de Estado para perceber que o momento não é de debates, embates, recusas e silêncio. O momento é de pensar o País, é de apresentar um pacto de nação, uma agenda de futuro. É isso que o povo, usando a sua liberdade de expressão e numa clara expressão de liberdade, diz aos políticos: Entendam-se e resolvam os nossos problemas!