O que acima acaba de ler, escrito por Ricardo Costa na última edição do Expresso, é dirigido à opinião pública portuguesa, mas, sem tirar nem pôr, encaixa-se na perfeição na realidade angolana.

Viver de forma anormal tornou-se, nos últimos quarenta e quatro anos da nossa existência como país independente, na nossa maior normalidade.

Ao longo destes anos todos, desaprendemos a viver na normalidade num país assente na mentira, preso por arames e que, empenhado em concorrer com as psiquiatrias, nos tem levado a não perdermos uma oportunidade para perder uma oportunidade...

Não soubemos viver na normalidade e, por isso, arrogantes e sabichões, não quisemos, há quinze anos, ouvir ninguém, não quisemos também baixar a euforia e não quisemos ainda olhar o mundo pelas suas múltiplas cores.

Apostados em querer viver na anormalidade, recusámos aceitar que o nível de crescimento registado a partir de 2002 até 2008 não era particularmente notável, dado que o país, em escombros, não estava senão a ser bafejado por uma inesperada, vertiginosa e temporária subida do preço do crude.

Partimos então para uma realidade tão anormal que não quisemos perceber que saíamos do zero e que, sem os pés assentes no chão, acabámos por nos revelar despidos de capacidades e de vontade política para gerir com racionalidade o boom petrolífero.

Decidimos, por isso, continuar a viver uma realidade tão anormal que, sem quaisquer escrutínios, abrimos as portas da economia à iniciativa privada e ao (suposto) investimento estrangeiro e, quando demos por nós, tínhamos à porta uma poderosa máquina de corrupção vinda de Portugal (o Grupo Espírito Santo e seus apêndices) que, com a cumplicidade da elite indígena, se preparava para comprar Angola inteira em troca de espelhos e missangas...

Uma realidade tão anormal que, capturados por impulsos políticos esquizofrénicos, passámos a olhar com desdém para a vida difícil que se abatia sobre outros países.

E tão anormais fomos neste capítulo que chegámos até a gozar com as agruras que asfixiavam o dia-a-dia dos portugueses brutalizados por uma crise sem precedentes.

Três anos depois, como devolve agora Luciano Amaral, professor universitário em Portugal, o melhor é começarmos a rever as piadas...

Mas as nossas anormalidades não ficam por aqui. Persistimos, por isso, em não querer viver na normalidade e, ao recusarmos viver ao redor de uma paleta a cores, continuamos a insistir até hoje em ver o mundo a preto e branco.

Persistimos em não querer viver na normalidade e, por isso, delirámos ao ver os britânicos transformarem a família real na "Firma" que, cedendo à primeira turbulência, gera a descida da bolsa, o CEO treme e instala a desconfiança entre os consumidores.

Persistimos em não querer viver na normalidade e, por isso, inspirados no (mau) exemplo da coroa britânica, assistimos à transformação, "rapidamente e em força", do MPLA numa "multinacional"... falida em princípios.

Persistimos em não querer viver na normalidade e, por isso, o ingresso no seu "board" deixou de ser determinado por valores e competências para ser caucionado pela dimensão das transacções financeiras, que acabaram por descredibilizar o seu antigo "PCA" e por abeirar a máquina do colapso político, moral e ético...

Embalados pela anormalidade, tomámos como normal vivermos com uma oposição domesticada, a funcionar como uma sucursal da casa mãe.

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